quinta-feira, 1 de maio de 2014

ALZHEIMER


Estive no Gerês em casa de uns amigos e conheci um casal, que há muito passaram a barreira dos oitenta anos. Ele ainda gosta de trabalhar a terra, ir à missa, de controlar a sua vida. Ela escolheu outro mundo para morar e apesar de estar por ali, está de forma diferente.


Uma das filhas, proprietária da casa onde estava e minha amiga, falou comigo sobre o assunto: 
-Mas é Alzheimer? Perguntei eu.
-Não, a minha mãe "ausentou-se.." Estava cansada, trabalhou muito a vida inteira, viveu muitas dificuldades e esforçou-se sempre para fazer e dar o seu melhor e agora voltou a ser criança, esqueceu-se daquilo que a preocupava e escolheu repousar o cérebro.

-Mas ela lembra-se de ti e da família?
-Não sei, mas eu lembro-me dela e é isso que me importa. Brinco com ela, cantamos as cantigas que ela gosta. Um dia fui eu a precisar do colo dela, agora é ela o meu bebé.

Ao ouvir a minha amiga, senti-me pequena, pela grandeza das suas palavras, pela sabedoria descrita nas suas ações. E tive então o prazer de conhecer a sua mãe. É uma boneca preciosa, que as filhas cuidam e tratam com o maior carinho que já presenciei. O marido, depois da voltar da terra, senta-se a seu lado.

Ninguém se importa com o nome da doença da mãe, ou com a sua falta de memória, cuidam dela com amor, com prazer por terem oportunidade de o fazer. E ela ali estava, sob o alpendre a olhar o que parecia vazio, cheia de tudo o que todos precisamos: atenção.

O meu coração derreteu e as lágrimas choveram no verão do meu rosto. Afinal eu não fui ao Gerês para conhecer o seu verde, as suas águas e a sua paz, eu fui para conhecer o que o amor é capaz e encontrei-o no rosto desta família.

Esquecer o passado nem sempre é fácil, se o deixarmos ficar muito grande e pesado, ele bloqueia-nos todas as janelas do futuro. Perdidos na ilusão da sua importância, tudo o que fazemos é assustador, pela possibilidade de repetição. E então, o corpo arranja uma solução, leva-nos. Tira-nos o controlo e ficamos descontrolados.

Perdidos noutro lugar, poucos são os que continuam a amar-nos assim, como faz esta gente, que continua a chamar a mãe pelo seu nome e a respeitá-la, independentemente do seu estado. Não lamentam, apenas aproveitam ao máximo a companhia da mulher que um dia esteve lúcida o suficiente para os dar à luz. Que eu possa continuar a encontrar o verde dos lugares, na esperança das pessoas.

Que a vida nunca me prive de presenciar a sua maior manifestação: O Amor. E Obrigada família por me recordarem, que a perfeição, não é perfeita e depende mais de quem a vê, do que de outra coisa qualquer...
(Natália Rodrigues)

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