Estive no Gerês em casa de uns amigos e conheci um casal, que há muito passaram a barreira dos oitenta anos. Ele
ainda gosta de trabalhar a terra, ir à missa, de controlar a sua vida.
Ela escolheu outro mundo para morar e apesar de estar por ali, está de
forma diferente.
Uma das filhas, proprietária da casa onde estava e minha amiga, falou comigo sobre o assunto:
-Mas é Alzheimer? Perguntei eu.
-Não,
a minha mãe "ausentou-se.." Estava cansada, trabalhou muito a vida
inteira, viveu muitas dificuldades e esforçou-se sempre para fazer e dar
o seu melhor e agora voltou a ser criança, esqueceu-se daquilo que a
preocupava e escolheu repousar o cérebro.
-Mas ela lembra-se de ti e da família?
-Não
sei, mas eu lembro-me dela e é isso que me importa. Brinco com ela,
cantamos as cantigas que ela gosta. Um dia fui eu a precisar do colo
dela, agora é ela o meu bebé.
Ao ouvir a minha amiga, senti-me pequena, pela grandeza das suas palavras, pela sabedoria descrita nas suas ações. E tive então o prazer de conhecer a sua mãe. É uma boneca preciosa, que as filhas cuidam e tratam com o maior carinho que já presenciei. O marido, depois da voltar da terra, senta-se a seu lado.
Ninguém
se importa com o nome da doença da mãe, ou com a sua falta de memória,
cuidam dela com amor, com prazer por terem oportunidade de o fazer. E ela ali estava, sob o alpendre a olhar o que parecia vazio, cheia de tudo o que todos precisamos: atenção.
O meu coração derreteu e as lágrimas choveram no verão do meu rosto. Afinal
eu não fui ao Gerês para conhecer o seu verde, as suas águas e a sua
paz, eu fui para conhecer o que o amor é capaz e encontrei-o no rosto
desta família.
Esquecer o passado nem sempre é fácil, se o deixarmos ficar muito grande e pesado, ele bloqueia-nos todas as janelas do futuro. Perdidos na ilusão da sua importância, tudo o que fazemos é assustador, pela possibilidade de repetição. E então, o corpo arranja uma solução, leva-nos. Tira-nos o controlo e ficamos descontrolados.
Perdidos
noutro lugar, poucos são os que continuam a amar-nos assim, como faz
esta gente, que continua a chamar a mãe pelo seu nome e a respeitá-la,
independentemente do seu estado. Não lamentam, apenas aproveitam ao máximo a companhia da mulher que um dia esteve lúcida o suficiente para os dar à luz. Que eu possa continuar a encontrar o verde dos lugares, na esperança das pessoas.
Que a vida nunca me prive de presenciar a sua maior manifestação: O Amor. E
Obrigada família por me recordarem, que a perfeição, não é perfeita e
depende mais de quem a vê, do que de outra coisa qualquer...
(Natália Rodrigues)
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