sexta-feira, 7 de junho de 2013

ALZHEIMER - CRÔNICA


Recentemente o Alzheimer conseguiu entrar sorrateiramente em mais um lar que eu conheço. Apesar de conviver e brigar com ele há mais de dez anos, só pude dizer – Nossa! Que audácia! – Mesmo assim, tentando entender esse inimigo, acabei fazendo as pazes com ele.

O Alzheimer vai retirando primeiro as lembranças, a consciência de si mesmo e deixa tudo o mais; os parentes, a casa e o relógio. É um gueto feito de solidão, a vida vai ficando cada vez mais incompreensiva e por isso mesmo, cada detalhe lembrado, como a necessidade de fechar uma janela, é repetido à exaustão. Nesse campo de concentração não se pode ao menos recordar o que já foi vivido. A cada dia um carrasco vai retirando uma palavra, uma recordação, um nome amado, uma maneira de fazer o trivial. À primeira mordida na consciência o seu espírito não tem mais como vencer esse parasita voraz. Bom, mas o corpo está ali e a gente vai esquecendo que a alma está presa num odioso lugar de onde não se sai nunca. É até possível pensar em um letreiro: “Aqui jaz uma alma num corpo esquecido”.

Por mais cruel que pareça, o Alzheimer é assim, ele revela o pior e o melhor de nós. No começa você briga com o doente porque não entende as mudanças de comportamento, depois vem uma raiva muito grande por não poder fazer nada, misturada com a ilusão de que o diagnóstico está errado, e mais tarde ainda, o desânimo de cuidar, banhar, trocar fraldas e escovar os dentes de alguém que representou o mais próximo do invencível para você. Um belo dia, quando você pensa que a doença não pode mais fazer surpresas, você cai, leva uma “porrada” da vida e ... O que é daquela criatura que você vivia discutindo, mas que era capaz de injetar ânimo com apenas uma frase?

O Alzheimer ri e diz. – Agora sim, deixei você perverso ao ponto de enterrar uma pessoa viva. Porque hoje bobinho você teve a certeza de que ela não está mais aqui. Agora você vai ter atos falhos como: -“Quando a mamãe era viva”! E ela vai estar ali, olhando para você com o coração batendo e o olho (que você tanto admirava) abrindo e fechando e o corpo escultural vai estar vagando dentro de casa. Diga para mim quem vai compreender um filho que esquece que a mãe está viva?


Alzheimer não sei se realmente dou tudo de mim, mas o que faria no meu lugar? Tudo bem, não estou mais com raiva de você! Não está compreendendo nada? Eu sei, vou explicar. Antes a sua existência era para mim intolerável, mas vi que sem você jamais teria entendido o que me foi revelado hoje. Companheiro, você apareceu aqui e por sua causa eu tive de “ralar”, passar num estreitíssimo caminho, meu passado estava lá atrás e o futuro eu não conseguia enxergar. Nessa peleja toda eu fui me modificando e alcancei a forma capaz de ultrapassar essa estreiteza. Olhando para mim agora, eu gosto do que vejo. Gosto do que me tornei e devo tudo isso a você. Esse era o sentido. A vitória meu amigo, foi da sua “doente”, que viu você, Alzheimer, ajudando a tornar os filhos dela, gente. (Lídia de Araújo Pinto Vieira).

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