Habitualmente relacionamos o
sofrimento à dor. Quanto maior a dor, maior o sofrimento. A dor pode ser
física, como a de uma fratura óssea ou moral, como a de uma separação conjugal
não-desejada. Todavia, podemos perceber que a relação entre dor e sofrimento
não é fixa em termos de proporções.
É fácil observar situações em que
o sofrimento é muito maior que o esperado para a gravidade da dor. Muitas vezes
as crianças manifestam grande sofrimento diante de pequenas contrariedades ou,
inversamente, pouquíssima preocupação diante de coisas que adultos consideram
insuportáveis. Outras vezes, ouvimos falar de pessoas que passaram por grandes
provações, como um tratamento de câncer e que não se abalaram tanto quanto
seria esperado. Diríamos que tiveram menos sofrimento em relação ao tamanho da
dor real que experimentaram.
O sofrimento, portanto, é uma
experiência subjetiva diante da dor ou de sua possibilidade. Claro que essa é
uma definição simplista, com um caráter operacional. A partir dela, todavia,
podemos encontrar a felicidade como um oposto, uma imagem especular do
sofrimento. A felicidade também é caracterizada como uma experiência subjetiva,
só que de bem-estar físico, psicológico e social.
Dizem os filósofos que além da
experiência subjetiva, também a crença ou pensamento que leva à sensação de
felicidade deve ser verdadeira. Por esse pensamento não se pode considerar
felicidade verdadeira aquela decorrente do uso de uma droga alucinógena, por
exemplo. Aplicando o mesmo raciocínio de volta à questão do sofrimento, somos
levados a questionar se o sofrimento real também depende de ser uma experiência
subjetiva mais a crença verdadeira a respeito dessa experiência.
Os psicólogos dirão que basta a
sensação subjetiva de sofrimento para caracterizar sua existência real. De
fato, seria impossível a um terapeuta tratar um paciente caso tivesse que
conferir se as queixas do mesmo correspondem a fatos da vida real ou são
derivadas de sua visão equivocada. Os psicólogos trabalham com a realidade
psicológica do paciente, o que verdadeiramente importa nessa perspectiva.
Como utilizar essas reflexões na
vida real? Também procuro essa resposta. Vou compartilhar uma experiência
recente esperando os comentários dos leitores. Atendi um senhor de 85 anos,
trazido pela esposa e pelo filho ao meu consultório porque se encontrava
distante, apático e esquecido. Conversando e instigando o paciente, finalmente
ele se abriu e despejou uma grande carga de sofrimento que vinha sentindo por
ter sido injustamente acusado de ter uma conduta errônea. Seu sofrimento se
intensificava porque o pecado que lhe foi atribuído era grave de acordo com
suas convicções religiosas. As lágrimas sentidas desciam do rosto digno daquele
ancião que tinha como grande orgulho apenas o fato de ter sido sempre honesto,
a despeito das dificuldades econômicas que a pobreza lhe trouxera. O sofrimento
para ele era tão insuportável que afirmou preferir morrer a carregar aquela
mancha em sua honra.
Aprofundando a anamnese e diante
do assombro dos familiares, descobrimos que o paciente apresentava um sintoma
delirante e que a tal acusação jamais havia acontecido. O curioso é que, com
exceção dessa narrativa delirante, o paciente mantinha um discurso coerente em
outros sentidos. Aparentemente, havia um declínio associado da memória e talvez
um quadro inicial de demência.
Nesse caso, embora a experiência
subjetiva do sofrimento fosse verdadeira e imensa, a crença sobre o fato
gerador do sofrimento era falsa pois se tratava de um delírio. Obviamente, demos seqüência ao
tratamento visando o controle dos sintomas delirantes e da depressão associada, enquanto
investigamos uma possível demência. Mas procuramos aliviar também o sofrimento
desconcertante sentido pelo paciente, independente de ter uma origem plausível
ou não.
Como a experiência do sofrimento
é subjetiva e não guarda uma proporcionalidade fixa com os fatores que o
originam, podemos dizer que o
padecimento é uma construção da nossa própria mente e nela deve estar a chave
para a resolução desse problema. Infelizmente, quando estamos submetidos a um
sofrimento decorrente de uma percepção distorcida da realidade é muito difícil
conseguirmos entender que nossa mente está produzindo tudo isso. Quando as
pessoas se dão conta de que a dor pode até ser inevitável mas que nós decidimos
o quanto sofreremos por ela, uma revolução ocorre internamente.
Talvez tudo esteja na nossa mente
e ainda não tenhamos a elevação necessária para perceber isso. A vida nos
apresenta situações e circunstâncias adversas, mas devemos estar atentos porque
há um espaço de liberdade entre a dor dos fatos e o sofrimento que carregamos.
Nesse espaço podemos trabalhar para diminuir o pesar diante da dor ou até
transformar experiências desagradáveis em motivo de alegria e crescimento. Tudo
é mente.
http://www.doutorcerebro.com.br/
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