terça-feira, 4 de março de 2014

A VELHICE ATIVA E A CHAMA DA VIDA

 

Quando as pessoas envelhecem, tendem a ser encaradas pelos mais novos como seres de um outro universo, quase habitantes do mundo do não-ser. São vistas como pessoas confinadas, imersas na clausura da velhice, andando em círculos, num tempo imóvel, vida acabada, sem futuro, ocupando um espaço físico e social que não deveria mais ser seu. Muitos idosos aceitam passivamente essa postura, introjetam esse modo suicida de ser velho que o próprio sistema social lamentável e desumanamente parece querer impor-lhes.

É certo que a velhice traz sensível redução das potencialidades, físicas e psíquicas, implica incontáveis restrições e limitações; empobrece o presente, reduz o futuro, obriga o idoso a lutar diariamente contra a sensação do acabou-se, it’s over. Não é apenas o tempo exterior que se encurta, também o tempo interior se contrai, as lembranças fogem, a memória falha.

As limitações crescentes à medida que a idade avança reduzem o vigor, o ritmo, a velocidade. Mas não são por si só uma condenação. Envelhecem mal aqueles que, não sabendo conviver com as limitações, se entregam à morte prematura que parte dos valores sociais tentam carimbar-lhes.

As contingências do envelhecimento não querem dizer, necessariamente, vida inativa, vegetativa, sem futuro e sem sonhos. Não devem ser pretexto para abdicações e desistências, exceto aquelas decorrentes das limitações próprias da idade. O sociólogo Karl Mannheim escreveu, certa vez, que um homem para quem nada existe além de sua situação imediata não é totalmente humano. Imagino que um homem assim seria incapaz de sonhar, porque sonhar é estar sempre além do imediatismo do aqui e agora, sempre construindo futuro, para si mesmo ou para a comunidade em que vive. Claro, não é preciso ser velho para fazer de sua vida uma morte prematura. Há muita gente jovem que parece estar mais morta do que viva.

Para o crítico canadense Northrop Frye, “uma vida dividida apenas entre um trabalho alienante e um ócio sem criatividade não é vida, mas, essencialmente, um mero esperar a morte”. Uma situação como essa pode ocorrer com qualquer pessoa, independentemente da idade. Mas nossa cultura parece ter reservado especialmente aos idosos a perspectiva de reduzir-se à “situação imediata” e ao “ócio sem criatividade”, encarando com alguma reserva e certa má vontade os mais velhos que insistem em serem produtivos e criativos, apesar da idade.

Ao contrário, são dignos de admiração os velhos que jamais desistem da vida ativa, enquanto o destino o permite. Seu modo de envelhecer e de ser velho não significa recusa de aceitar a natureza das coisas, o declínio e a morte que se avizinha. É antes resistência e desafio, afirmação da invencível natureza humana, orientada para o chamado da vida; rejeição da morte precoce e do gueto discriminatório onde parcela dos valores sociais tentam confiná-los.


Bem aventurados, invejáveis, os velhos que conseguem manter em seus olhos o brilho forte da chama da vida!( José Benjamin de Lima)

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