sexta-feira, 7 de março de 2014

ALZHEIMER: PERDIDOS EM SI MESMOS



É assim que vivem os doentes de Alzheimer - à deriva no espaço e no tempo, perdidos em si mesmos e de si mesmos. Tornam-se dependentes, exigindo um esforço hercúleo de quem deles cuida. E fazendo com que também os cuidadores precisem de apoio.
Alzheimer: Perdidos em si mesmos
A doença de Alzheimer é a forma mais comum de demência, designação que abrange um conjunto de patologias que envolvem perda de memória e de outras competências a um nível tal que há comprometimento da qualidade de vida e da capacidade para viver o quotidiano.

É nas pessoas idosas que se manifesta, mas não pode ser encarada como uma consequência natural do envelhecimento. Não é uma inevitabilidade, o que é comprovado pelo número de pessoas que envelhecem sem evidenciar as características próprias da doença. Há, aliás, alguma dificuldade em distinguir entre o que pode ser atribuído aos anos e o que corresponde à doença.

Os primeiros sinais de alerta ocorrem ao nível da memória: os doentes demonstram uma incapacidade frequente para evocar acontecimentos recentes, como episódios do quotidiano e nomes, mas mantêm a capacidade de recordar o passado mais remoto.

Além de se perderem na memória, perdem-se no espaço e no tempo: vão-se tornando incapazes de reconhecer onde estão, esquecem-se de como lá chegaram e de como regressar a casa, mesmo quando se encontram em ambientes familiares.

O mesmo acontece com as tarefas mais básicas, do dia-a-dia: fazer um telefonema ou preparar uma refeição pode ser um quebra-cabeças, por dificuldade em associar os diversos gestos envolvidos. Tal como comunicar - faltam as palavras ou são usadas palavras inadequadas ao contexto, o que inviabiliza, por exemplo, a identificação de objetos.

É ainda comum a utilização inadequada de objetos: numa casa onde viva um doente de Alzheimer o relógio pode ser encontrado dentro do fogão. Há uma perda de discernimento que envolve domínios tão distintos como o vestuário ou a tomada de decisões relacionadas com o dinheiro: estes doentes podem vestir-se num dia de Inverno como se fosse Verão ou atirar dinheiro à rua, sem noção do seu valor. Esta forma de demência afeta igualmente o humor, a personalidade e o comportamento, sendo comuns a agressividade, a desconfiança, a confusão e o receio. Comum é ainda o desinteresse por atividades que, antes da doença, proporcionavam prazer e implicavam iniciativa.

Assim acontece porque há bloqueios na comunicação entre as células na região do cérebro que comanda as funções mentais. Não se sabe exatamente porquê, mas formam-se placas e nós que estrangulam os neurônios: o resultado é a morte celular ao nível da memória.

Um caminho de dependência

A doença de Alzheimer evolui de uma forma progressiva, com os sintomas a agravar-se com o passar do tempo: inicialmente são ligeiros e podem até passar despercebidos, depois tornam-se mais frequentes e intensos, começando a interferir com o dia-a-dia, até que há uma decadência física significativa e uma perda das competências cognitivas que leva à perda de autonomia.


A doença evolui a um ritmo diferente em cada doente, mas o desfecho é comum: a dependência total no prazo de alguns anos, sendo impossível prever quantos. Na ausência de cura, o tratamento é orientado para os sintomas, procurando melhorar a qualidade de vida.

Desse percurso faz parte uma dupla abordagem: farmacológica e não farmacológica. No campo dos medicamentos, são utilizados fármacos sintomáticos e os chamados fármacos da nova geração.

Os primeiros dirigem-se, como se depreende do nome, ao alívio dos sintomas mais incômodos da doença, deles fazendo parte os anti-depressivos, os neurolépticos, os ansiolíticos e os tranquilizantes, entre outros. São medicamentos que atuam sobre a agressividade e a insônia, por exemplo, visando estabilizar o comportamento dos doentes.

Já os medicamentos da nova geração atuam a nível cognitivo, nos domínios da memória e da concentração, existindo duas categorias distintas indicadas para a fase inicial a moderada da doença e para a fase moderada a grave. O tratamento não se esgota nesta vertente, com os doentes de Alzheimer a beneficiarem de intervenções comportamentais.

Uma das terapêuticas visa orientar para a realidade, apoiando o conhecimento e desempenho no ambiente que os rodeia. Outra das alternativas é a terapêutica de validação, que envolve o reconhecimento e reforço dos sentimentos subjetivos dos doentes. Em ambas a comunicação é uma ferramenta valiosa.

Os doentes de Alzheimer vivem num mundo só seu, em que as pessoas, os objetos, o espaço e o tempo perdem significado. As capacidades e as competências vão sendo afetadas e gestos tão banais como tomar banho ou comer deixam de ter sentido. Em consequência, é grande o risco de abandono das funções básicas da sobrevivência.

A alimentação é, com frequência, negligenciada, com o estado nutricional dos doentes a ficar fragilizado à medida que a doença avança. No início, tanto pode haver recusa dos alimentos como esquecimento. Também pode acontecer o contrário: uma compulsão para comer, que conduz a um aumento temporário de peso. O mais comum é, no entanto, que haja perda de quilos.

Numa fase intermédia da doença, já não é a memória que interfere com a alimentação, mas sim a menor capacidade de concentração, de comunicação e de coordenação motora. Os doentes abandonam a rotina das refeições, o que, mais uma vez, se reflete no peso, com a agravante de, nesta altura, haver uma maior necessidade calórica devido às deambulações erráticas.

Já na fase mais avançada da doença, os doentes tendem a comer compulsivamente e a ingerir objetos não comestíveis, ao mesmo tempo que se assiste a uma regressão no comportamento alimentar: tal como uma criança, não conseguem comer sozinhos porque não sabem o que fazer com os alimentos, seja no prato, seja na boca, nem sabem usar os talheres. O risco de desidratação e desnutrição é elevado.

Nesta fase é indispensável a intervenção do cuidador: para adaptar as refeições ao doente, para prevenir os acidentes, para criar um ambiente propício e garantir um adequado estado nutricional.

A par da alimentação, também a higiene acaba por ser negligenciada. Os doentes não reconhecem sentido aos cuidados pessoais, nem a sequência de gestos envolvidos.

Precisam de ajuda, mas este é um domínio sensível porquanto diz respeito à intimidade. Numa primeira fase, é conveniente incentivar o doente a fazer a sua própria higiene, recordando-lhe os diversos passos, quer no banho, quer na higiene oral e nos demais cuidados pessoais.

Apesar das dificuldades, é importante que os doentes mantenham uma boa aparência e que se sintam bem na sua pele. Para esse objectivo contribui também o apoio na hora de vestir e despir. Podem ser tarefas árduas para quem tem dificuldades de discernimento e de coordenação motora, mas é possível orientar os doentes sem que eles se sintam inúteis: por exemplo, selecionando as peças e organizando-as pela ordem em que devem ser vestidas, escolhendo roupas confortáveis e práticas.

Vestuário com abertura fácil também é útil para lidar com outro problema comum aos doentes de Alzheimer: a incontinência.

Voltas trocadas
Além da memória, também a capacidade de localização no tempo e no espaço é afetada. E, de um dia para o outro, os doentes deixam de conseguir encontrar caminhos. Perdem-se na própria casa, na vizinhança. E desenvolvem comportamentos estranhos como a deambulação errática.

O risco de desaparecerem ou de terem a vida em perigo é, pois, elevado, mas pode ser minimizado. Assim, os doentes devem andar sempre identificados, os vizinhos e comerciantes próximos devem ter conhecimento do seu estado, a possibilidade de saírem de casa sozinhos deve ser reduzida.

A confusão não afeta apenas os passos dos doentes: eles escondem objetos e depois esquecem-se de onde os deixaram, comportam-se como se estivessem sempre à procura de alguém ou de algo.

Em qualquer uma destas circunstâncias carecem de ajuda: para voltar a casa ou para encontrar o que perderam. Mas, por mais difícil que seja, há que resistir à tentação de os recriminar: fazê-lo aumenta a insegurança e pode estimular a agressividade.

A agressividade espreita nestes doentes, o que é, desde logo, explicado pelo facto de não reconhecerem a nova realidade nem saberem lidar com ela. Não ser capaz de realizar tarefas banais e rotineiras, não conseguir identificar pessoas e lugares, não se recordar de acontecimentos e rostos familiares, ter dificuldade em comunicar é, afinal, razão mais do que suficiente para que os doentes de Alzheimer se sintam confusos, frustrados, reagindo com oscilações do humor, instabilidade e agressividade.

É um tumulto de emoções ao assalto dos doentes e dos seus cuidadores, para quem o Alzheimer é um fardo muito pesado. Também eles precisam, pois, de ajuda.

Esquecimentos e esquecimentos
É normal que a idade afete a memória, mas os esquecimentos próprios da doença de Alzheimer são de outra natureza. Distingui-los é útil para agir o mais precocemente possível. Assim:

• Um idoso pode ter dificuldade em lembrar-se de parte de um episódio, enquanto um doente de Alzheimer esquece acontecimentos e experiências na totalidade;
• Um idoso acaba por recordar-se mais tarde, um doente de Alzheimer não;
• Um idoso mantém a capacidade de seguir indicações, verbais ou escritas, mas um doente de Alzheimer não;
• Um idoso consegue usar notas, enquanto um doente de Alzheimer tem cada vez mais dificuldade em fazê-lo;
• Um idoso mantém geralmente a autonomia, mas um doente de Alzheimer vai ficando incapaz de tomar conta de si próprio.
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