É assim
que vivem os doentes de Alzheimer - à deriva no espaço e no tempo,
perdidos em si mesmos e de si mesmos. Tornam-se dependentes, exigindo um
esforço hercúleo de quem deles cuida. E fazendo com que também os
cuidadores precisem de apoio.
A doença de Alzheimer é a forma mais comum de demência,
designação que abrange um conjunto de patologias que envolvem perda de
memória e de outras competências a um nível tal que há comprometimento
da qualidade de vida e da capacidade para viver o quotidiano.
É nas pessoas idosas que se manifesta, mas não pode ser encarada como
uma consequência natural do envelhecimento. Não é uma inevitabilidade, o
que é comprovado pelo número de pessoas que envelhecem sem evidenciar
as características próprias da doença. Há, aliás, alguma dificuldade em
distinguir entre o que pode ser atribuído aos anos e o que corresponde à
doença.
Os primeiros sinais de alerta ocorrem ao nível da memória: os doentes demonstram uma incapacidade
frequente para evocar acontecimentos recentes, como episódios do
quotidiano e nomes, mas mantêm a capacidade de recordar o passado mais
remoto.
Além de se perderem na memória, perdem-se no espaço e no tempo:
vão-se tornando incapazes de reconhecer onde estão, esquecem-se de como
lá chegaram e de como regressar a casa, mesmo quando se encontram em
ambientes familiares.
O mesmo acontece com as tarefas mais básicas, do dia-a-dia: fazer um
telefonema ou preparar uma refeição pode ser um quebra-cabeças, por
dificuldade em associar os diversos gestos envolvidos. Tal como
comunicar - faltam as palavras ou são usadas palavras inadequadas ao
contexto, o que inviabiliza, por exemplo, a identificação de objetos.
É ainda comum a utilização inadequada de objetos: numa casa onde
viva um doente de Alzheimer o relógio pode ser encontrado dentro do
fogão. Há uma perda de discernimento que envolve domínios tão distintos
como o vestuário ou a tomada de decisões relacionadas com o dinheiro:
estes doentes podem vestir-se num dia de Inverno como se fosse Verão ou
atirar dinheiro à rua, sem noção do seu valor. Esta forma de demência afeta igualmente o humor, a personalidade e o comportamento, sendo comuns a agressividade,
a desconfiança, a confusão e o receio. Comum é ainda o desinteresse por
atividades que, antes da doença, proporcionavam prazer e implicavam
iniciativa.
Assim acontece porque há bloqueios na comunicação entre as células na região do cérebro
que comanda as funções mentais. Não se sabe exatamente porquê, mas
formam-se placas e nós que estrangulam os neurônios: o resultado é a morte celular ao nível da memória.
Um caminho de dependência
A doença de Alzheimer evolui de uma forma progressiva, com os
sintomas a agravar-se com o passar do tempo: inicialmente são ligeiros e
podem até passar despercebidos, depois tornam-se mais frequentes e
intensos, começando a interferir com o dia-a-dia, até que há uma
decadência física significativa e uma perda das competências cognitivas que leva à perda de autonomia.
A doença evolui a um ritmo diferente em cada doente, mas o desfecho é comum: a dependência total no prazo de alguns anos, sendo impossível prever quantos. Na ausência de cura, o tratamento é orientado para os sintomas, procurando melhorar a qualidade de vida.
Desse percurso faz parte uma dupla abordagem: farmacológica e não
farmacológica. No campo dos medicamentos, são utilizados fármacos
sintomáticos e os chamados fármacos da nova geração.
Os primeiros dirigem-se, como se depreende do nome, ao alívio dos
sintomas mais incômodos da doença, deles fazendo parte os
anti-depressivos, os neurolépticos, os ansiolíticos e os
tranquilizantes, entre outros. São medicamentos que atuam sobre a
agressividade e a insônia, por exemplo, visando estabilizar o comportamento dos doentes.
Já os medicamentos da nova geração atuam a nível cognitivo,
nos domínios da memória e da concentração, existindo duas categorias
distintas indicadas para a fase inicial a moderada da doença e para a
fase moderada a grave. O tratamento não se esgota nesta vertente, com os
doentes de Alzheimer a beneficiarem de intervenções comportamentais.
Uma das terapêuticas visa orientar para a realidade, apoiando o conhecimento e desempenho no ambiente que os rodeia. Outra das alternativas é a terapêutica
de validação, que envolve o reconhecimento e reforço dos sentimentos
subjetivos dos doentes. Em ambas a comunicação é uma ferramenta
valiosa.
Os doentes de Alzheimer vivem num mundo só seu, em que as pessoas, os
objetos, o espaço e o tempo perdem significado. As capacidades e as
competências vão sendo afetadas e gestos tão banais como tomar banho ou
comer deixam de ter sentido. Em consequência, é grande o risco de
abandono das funções básicas da sobrevivência.
A alimentação
é, com frequência, negligenciada, com o estado nutricional dos doentes a
ficar fragilizado à medida que a doença avança. No início, tanto pode
haver recusa dos alimentos como esquecimento. Também pode acontecer o
contrário: uma compulsão para comer, que conduz a um aumento temporário
de peso. O mais comum é, no entanto, que haja perda de quilos.
Numa fase intermédia da doença, já não é a memória que interfere com a
alimentação, mas sim a menor capacidade de concentração, de comunicação
e de coordenação motora.
Os doentes abandonam a rotina das refeições, o que, mais uma vez, se
reflete no peso, com a agravante de, nesta altura, haver uma maior
necessidade calórica devido às deambulações erráticas.
Já na fase mais avançada da doença, os doentes tendem a comer
compulsivamente e a ingerir objetos não comestíveis, ao mesmo tempo que
se assiste a uma regressão
no comportamento alimentar: tal como uma criança, não conseguem comer
sozinhos porque não sabem o que fazer com os alimentos, seja no prato,
seja na boca, nem sabem usar os talheres. O risco de desidratação e desnutrição é elevado.
Nesta fase é indispensável a intervenção do cuidador: para adaptar as
refeições ao doente, para prevenir os acidentes, para criar um
ambiente propício e garantir um adequado estado nutricional.
A par da alimentação, também a higiene acaba por ser negligenciada. Os doentes não reconhecem sentido aos cuidados pessoais, nem a sequência de gestos envolvidos.
Precisam de ajuda, mas este é um domínio sensível porquanto diz respeito à intimidade.
Numa primeira fase, é conveniente incentivar o doente a fazer a sua
própria higiene, recordando-lhe os diversos passos, quer no banho, quer
na higiene oral e nos demais cuidados pessoais.
Apesar das dificuldades, é importante que os doentes mantenham uma boa aparência e que se sintam bem na sua pele. Para esse objectivo
contribui também o apoio na hora de vestir e despir. Podem ser tarefas
árduas para quem tem dificuldades de discernimento e de
coordenação motora, mas é possível orientar os doentes sem que eles se
sintam inúteis: por exemplo, selecionando as peças e organizando-as
pela ordem em que devem ser vestidas, escolhendo roupas confortáveis e
práticas.
Vestuário com abertura fácil também é útil para lidar com outro problema comum aos doentes de Alzheimer: a incontinência.
Voltas trocadas
Além da memória, também a capacidade de localização
no tempo e no espaço é afetada. E, de um dia para o outro, os doentes
deixam de conseguir encontrar caminhos. Perdem-se na própria casa, na
vizinhança. E desenvolvem comportamentos estranhos como a deambulação
errática.
O risco de desaparecerem ou de terem a vida em perigo é, pois,
elevado, mas pode ser minimizado. Assim, os doentes devem andar sempre
identificados, os vizinhos e comerciantes próximos devem ter
conhecimento do seu estado, a possibilidade de saírem de casa sozinhos deve ser reduzida.
A confusão não afeta apenas os passos dos doentes: eles escondem
objetos e depois esquecem-se de onde os deixaram, comportam-se como se
estivessem sempre à procura de alguém ou de algo.
Em qualquer uma destas circunstâncias carecem de ajuda: para voltar a
casa ou para encontrar o que perderam. Mas, por mais difícil que seja,
há que resistir à tentação de os recriminar: fazê-lo aumenta a
insegurança e pode estimular a agressividade.
A agressividade espreita nestes doentes, o que é, desde logo,
explicado pelo facto de não reconhecerem a nova realidade nem saberem
lidar com ela. Não ser capaz de realizar tarefas banais e rotineiras,
não conseguir identificar pessoas e lugares, não se recordar de
acontecimentos e rostos familiares, ter dificuldade em comunicar é,
afinal, razão mais do que suficiente para que os doentes de Alzheimer se
sintam confusos, frustrados, reagindo com oscilações do humor,
instabilidade e agressividade.
É um tumulto de emoções ao assalto dos doentes e dos seus cuidadores,
para quem o Alzheimer é um fardo muito pesado. Também eles precisam,
pois, de ajuda.
Esquecimentos e esquecimentos
É normal que a idade
afete a memória, mas os esquecimentos próprios da doença de
Alzheimer são de outra natureza. Distingui-los é útil para agir o mais
precocemente possível. Assim:
• Um idoso pode ter dificuldade em lembrar-se de parte de um
episódio, enquanto um doente de Alzheimer esquece acontecimentos e
experiências na totalidade;
• Um idoso acaba por recordar-se mais tarde, um doente de Alzheimer não;
• Um idoso mantém a capacidade de seguir indicações, verbais ou escritas, mas um doente de Alzheimer não;
• Um idoso consegue usar notas, enquanto um doente de Alzheimer tem cada vez mais dificuldade em fazê-lo;
• Um idoso mantém geralmente a autonomia, mas um doente de Alzheimer vai ficando incapaz de tomar conta de si próprio.
http://medicosdeportugal.saude.sapo.pt
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