segunda-feira, 24 de março de 2014

NAS ONDAS DO ALZHEIMER


Fecho os olhos, sigo o redemoinho das mais variadas sensações e começo a mergulhar no mar revolto das emoções… uma correnteza de sentimentos contraditórios me empurra para baixo, para cima, para os lados… pensamentos, imagens, lembranças, são como gigantescos icebergs, onde meus medos se chocam ou meus desejos ansiosos querem aportar… escuridão e luz – asfixia e ar – silêncio e intensos sons confusos – vazio…

Quem convive ou já conviveu com alguém portador de Alzheimer, facilmente entenderá quando digo que, muitas vezes, me sinto navegando à deriva num oceano desconhecido e misterioso. Só uma observação minuciosa, dedicada e intuitiva, pode nos servir de bússola cujo ponteiro – se devidamente norteado pelo campo magnético do nosso grau de sensibilidade –, apontará indícios de uma rota a ser seguida.

Nas minhas reflexões sobre essa vivência com mamãe, tenho a sensação de estar reaprendendo a Vida e reestruturando formas de pensamento, ação e sentimentos. E assim, conscientemente, percebo-me – a cada dia – despertando para um cotidiano sempre novo e surpreendente.

Não tenho dúvida alguma de que ela percebe e se aflige com as sensações que a invadem, ficando-me sempre um aperto no coração ante algumas situações vividas que deixam muito evidente a fragilidade da existência num mundo que parece frio e hostil às necessidades mais íntimas de cada ser.

Em muitas ocasiões, olhando-me com aflição, já a ouvi dizer: “eu fico tentando me lembrar e não consigo”; “parece que estou ficando doida”; “minha cabeça está ficando vazia”; “eu esqueço de tudo e fico com medo”; “não sei mais falar”… Assim também é muito comum vê-la expressar seus medos nos mais variados momentos:
Medo de ficar sozinha: vez por outra me diz: “quando é que você vai embora?” e diante da minha afirmação de que vou ficar sempre junto dela, expressa a sua alegria : “é mesmo?! Ah que bom! Graças a Deus! Fico muito contente!”.

Medo de morrer: sempre manifesta quando sente alguma dor ou mal-estar e, por vezes, quando a estamos colocando pra dormir, já a escutamos nos pedir: “rezem e peçam a Deus pra eu não morrer”.

Medo do escuro ou de ambientes e pessoas que desconhece: ao acordar no meio da noite; ao estar num lugar diferente; ao ver cenas na televisão ou em locais com muita gente, quando não externa com reações de pânico, me diz baixinho e com o corpo trêmulo: “estou com medo! Não me deixe sozinha!”
E quando o sono não vem – muitas vezes passando a noite em claro – busco aconchegá-la no meu abraço, enquanto vou tentando falar com ela. Geralmente digo: feche os olhos para que o sono possa chegar! Uma vez me respondeu:“não! É pior!”. Perguntei então por quê. Ela disse: “ quando eu fecho o olho não consigo lembrar” Insisti: e agora, de olho aberto, você consegue? Respondeu-me: “não! E minha cabeça… parece que estou maluca.”

Nesses momentos, os olhos ficam bem abertos com ar de muita inquietação: olha tudo ao redor como se procurasse por alguma coisa, em seguida – por alguns instantes – o olhar se torna fixo como se estivesse preso em lugar nenhum. Sinto um frio na alma pensando em quantas pessoas idosas estão sozinhas em seus medos sem encontrar quem lhes envolva num abraço de carinho e proteção…

É então que me dou conta: para aliviar as dores do corpo sempre há uma medicação a que podemos – sob orientação médica – recorrer, mas para as dores da alma, só o companheirismo aliado aos recursos da terapia do amor podem fazê-la relaxar e adormecer com tranqüilidade. Por isso, no meu ‘bloquinho de receitas’ costumo prescrever e aplicar:
Carinho e Atenção: dosagem máxima a cada minuto do dia. Uso contínuo e permanente.

Dedicação: dosagem máxima durante todo o dia. Uso contínuo e permanente.

Paciência: superdose o tempo todo. Recomenda-se manter estoques extras para não deixar faltar.

Bom Humor, Respeito, Tolerância, Prudência: altas dosagens sempre.

Experimentem! Não há contra-indicações e os efeitos colaterais são os melhores possíveis! (Gracinha Medeiros)

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