Fecho
os olhos, sigo o redemoinho das mais variadas sensações e começo a
mergulhar no mar revolto das emoções… uma correnteza de
sentimentos contraditórios me empurra para baixo, para cima, para os
lados… pensamentos, imagens, lembranças, são como gigantescos
icebergs, onde meus medos se chocam ou meus desejos ansiosos querem
aportar… escuridão e luz asfixia e ar silêncio e intensos
sons confusos vazio…
Quem
convive ou já conviveu com alguém portador de Alzheimer, facilmente
entenderá quando digo que, muitas vezes, me sinto navegando à
deriva num oceano desconhecido e misterioso. Só uma observação
minuciosa, dedicada e intuitiva, pode nos servir de bússola cujo
ponteiro se devidamente norteado pelo campo magnético do nosso
grau de sensibilidade , apontará indícios de uma rota a ser
seguida.
Nas
minhas reflexões sobre essa vivência com mamãe, tenho a sensação
de estar reaprendendo a
Vida e reestruturando formas de pensamento, ação e sentimentos.
E assim, conscientemente, percebo-me a cada dia despertando
para um cotidiano sempre novo e surpreendente.
Não
tenho dúvida alguma de que ela percebe e se aflige com as sensações
que a invadem, ficando-me sempre um aperto no coração ante algumas
situações vividas que deixam muito evidente a fragilidade da
existência num mundo que parece frio e hostil às necessidades mais
íntimas de cada ser.
Em
muitas ocasiões, olhando-me com aflição, já a ouvi dizer: eu
fico tentando me lembrar e não consigo; parece que estou ficando
doida; minha cabeça está ficando vazia; eu esqueço de tudo
e fico com medo; não sei mais falar…
Assim também é muito comum vê-la expressar seus medos nos mais
variados momentos:
Medo de ficar sozinha:
vez por outra me diz: quando é que você vai embora? e diante da
minha afirmação de que vou ficar sempre junto dela, expressa a sua
alegria : é mesmo?! Ah que bom! Graças a Deus! Fico muito
contente!.
Medo de morrer:
sempre manifesta quando sente alguma dor ou mal-estar e, por vezes,
quando a estamos colocando pra dormir, já a escutamos nos pedir:
rezem e peçam a Deus pra eu não morrer.
Medo do escuro ou de
ambientes e pessoas que desconhece:
ao acordar no meio da noite; ao estar num lugar diferente; ao ver
cenas na televisão ou em locais com muita gente, quando não externa
com reações de pânico, me diz baixinho e com o corpo trêmulo:
estou com medo! Não me deixe sozinha!
E
quando o sono não vem muitas vezes passando a noite em claro
busco aconchegá-la no meu abraço, enquanto vou tentando falar com
ela. Geralmente digo: feche os olhos para que o sono possa chegar!
Uma vez me respondeu:não! É pior!. Perguntei então por quê.
Ela disse: quando eu fecho o olho não consigo lembrar Insisti:
e agora, de olho aberto, você consegue? Respondeu-me: não! E
minha cabeça… parece que estou maluca.
Nesses
momentos, os olhos ficam bem abertos com ar de muita inquietação:
olha tudo ao redor como se procurasse por alguma coisa, em seguida
por alguns instantes o olhar se torna fixo como se estivesse preso
em lugar nenhum. Sinto um frio na alma pensando em quantas pessoas
idosas estão sozinhas em seus medos sem encontrar quem lhes envolva
num abraço de carinho e proteção…
É
então que me dou conta: para aliviar as dores do corpo sempre há
uma medicação a que podemos sob orientação médica
recorrer, mas para as dores da alma, só o companheirismo aliado aos
recursos da terapia do amor podem fazê-la relaxar e adormecer com
tranqüilidade. Por isso, no meu bloquinho de receitas costumo
prescrever e aplicar:
Carinho
e Atenção: dosagem
máxima a cada minuto do dia. Uso contínuo e permanente.
Dedicação: dosagem máxima durante todo o dia. Uso contínuo e permanente.
Paciência: superdose o tempo todo. Recomenda-se manter estoques extras para não deixar faltar.
Bom Humor, Respeito, Tolerância, Prudência: altas dosagens sempre.
Experimentem!
Não há contra-indicações e os efeitos colaterais são os melhores
possíveis! (Gracinha
Medeiros)
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