“Junto com meu testamento, no qual lego a meus filhos e
amigos a minha vontade de viver e meu amor a Deus e a toda a criação, faço um
pedido: se, por ventura, no meu cérebro a senilidade penetrar sorrateiramente,
a demência se infiltrar inesperadamente e o esquecimento, a falta de lucidez e
a confusão se intalarem, por favor, lembrem que:
. eventualmente, ainda tenho uma vaga idéia de minha
identidade;
. gosto de ser chamada pelo meu nome, aquele que meus pais
me deram;
. posso ainda saber onde estou e com quem estou;
. posso estar gostando ou não de onde estou e com quem
estou;
. faço ainda questão de usar aquele tipo de sapato que toda
a minha vida usei;
. gosto ainda de usar a roupa ao estilo que sempre preferi;
. a roupa dos outros colocada em mim me entristece;
. a falta de atenção em me ajudar na higiene pessoal me traz
ansiedade;
. a comida de um estilo que não conheço não me apetece;
. as fraldas de vez em quando me incomodam e me deixam
envergonhada;
. gostaria, às vezes, de caminhar para espairecer e ver a
natureza;
. receber uma palavrinha me faz lembrar que sou gente;
. receber visitas me faz lembrar que ainda sou importante;
. receber um abraço e um beijo me diz que alguém ainda tem
afeto por mim;
. a falta de sono não é proposital, nem intencional;
. a falta de interesse está além do meu controle;
. minha falta de jeito é inexplicável para mim mesma;
. o esquecimento me deixa traumatizada;
. tenho dores que às vezes não posso contar;
. nem sempre o que me fazem fazer é o que eu gostaria de
estar fazendo;
. meu olhar vago não reflete o que sinto;
. e se não dou um abraço é porque os meus braços não me
obedecem mais;
. se não dou um beijo é porque meus lábios não sabem mais o
que fazer;
. se não te digo que valorizo sua dedicação e seu amor é
porque a ponte se partiu e perdi o caminho que me levaria a compartilhar meus
sentimentos com você.”
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