quinta-feira, 6 de março de 2014

REALIDADE (04)



A evolução da Doença de Alzheimer (DA) em minha amada mãe é notória. Apesar de todo o acompanhamento médico e farmacológico. Sabemos que o Alzheimer é uma doença degenerativa atualmente incurável, no entanto, o tratamento permite melhorar a saúde, retardar o declínio cognitivo, tratando os sintomas, controlando as alterações de comportamento e proporcionando conforto e qualidade de vida a minha amada mãe.

O Alzheimer é uma doença cruel e silenciosa. Chega de mansinho sem que possamos identifica-la. É como um ladrão que rouba o bem mais importante do ser humano: a sua própria identidade, perdendo em contrapartida a sua dignidade, seus valores, sua essência e suas convicções.

São mudanças tão sutis como pequenos lapsos de memória, muitas vezes imperceptível. E assim, com um lapso aqui e outro ali, o nosso ente querido parece ir vagarosamente desligando seus circuitos internos, distanciando-se a cada dia da realidade, da rotina do dia a dia.

É uma doença estéril, vazia e sem vida como um deserto. É um ladrão de corações, almas e lembranças... É uma desordem degenerativa do cérebro que afeta a memória e a personalidade, não existe a cura...  não há como saber em que velocidade ela evolui, variando de pessoa para pessoa, piorando com a passagem do tempo.

Como cuidadora de minha amada mãe, sinto-me solitária, numa ilha deserta, mesmo estando no meio dos familiares. É um poço profundo, um estado de melancolia, cansaço físico e estresse constante. A relação familiar altamente desgastante. Não existe mais diálogo com a irmã que mora com minha amada mãe. Como é difícil. Não existe um compartilhar de sentimentos, divisão de tarefas. É uma aridez total. É uma criatura totalmente cristalizada, petrificada em seus sentimentos. Ninguém assume o verdadeiro papel de cuidador.

Os meus sentimentos se mesclam entre cansaço, depressão, tristeza e agonia de ver a minha amada mãe sendo “devorada” pelo Alzheimer. O “aqui e agora”  está cada dia menos presente. Destaque maior aos eventos do passado. Sem noção de temporalidade.

Continuo a base de antidepressivo, com minha “fortaleza bastante estremecida, cheia de rachaduras”. No entanto, estou a mergulhar no novo “universo” de minha amada mãe. A cada pergunta feita repetidamente, é respondida como se fosse a primeira: “que dia é hoje?”, “já tomei banho?”, “já tomei o meu remédio?”, “já merendei?”,  dentre outras.

É importante que tenhamos muita compreensão, muita paciência, muita dedicação e, sobretudo muito amor para convivermos com a realidade de uma pessoa com Alzheimer.

“O doente de Alzheimer é uma criança invertida. Está em fase de “desaprendizado”. É ao mesmo tempo criança e majestade, segundo os especialistas. Isto porque, a criança nasce totalmente dependente, cheia de cuidados e carinhos, vai aos poucos se tornando independente. Tem creches e escolas para ajuda-la a se educar e a crescer. É a fase de aprendizado, de crescimento físico, psicológico e emocional.

O idoso portador da demência, do mal de Alzheimer, está na fase do “desaprendizado”. Esquecendo tudo, ou quase tudo que aprendeu na vida. Muitas vezes sem cuidados especiais e sob o crivo da crítica de todos os mais novo que, vaidosos, esquecem-se de que também ficarão velhos um dia.” É a total falta de respeito ao idoso.

Apesar do processo de “desaprendizado” de minha amada mãe, o sentimento de amor está cada vez mais fortalecido. A nossa cumplicidade é muito grande. Muitos beijos, abraços, carinhos, declarações de amor, fazem parte do nosso cotidiano. O seu sorriso ao me ver chegando é que me fortalece.

Agora mesmo no feriado de Carnaval, ficamos minha amada mãe e eu sozinhas em sua casa. Nestes dias senti uma “áurea de amor” muito forte. Sinto a cada dia a presença de Deus em minha vida. É quem me conduz nesta nova estrada de minha vida.

Lembramos de “estórias do passado”, ouvimos música, cantamos, passeamos e todas as noites dormíamos “agarradinhas” na mesma cama. Puro amor.

Sei que ainda passarei por muitos sofrimentos. A doença em sua constante evolução, será cada vez mais cruel, tirando toda a sua autonomia. É como se algo misterioso chegasse e sugasse a cada dia a alma de minha amada mãe, até tornar-se apenas “um corpo vazio”.

Tenho certeza que a cada dia estarei fortalecida com muito amor para enfrentar este temível  “ladrão de almas”.

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