quinta-feira, 30 de maio de 2013

A FAMÍLIA DIANTE DA DOENÇA DE ALZHEIMER


A família funciona como uma totalidade, como uma teia ou uma rede: uma modificação em qualquer parte afeta o todo. Apesar de existirem diversos tipos de família e de relacionamento familiar, em todas elas existem papéis estabelecidos que as mantêm em um certo equilíbrio. Nas famílias mais antigas era comum o pai ser o provedor e a mãe cuidar dos afazeres domésticos. Apesar das modificações ocorridas nesses papéis, cada membro continua com atribuições determinadas em função do seu lugar no seio da família e de suas características pessoais. Quando um dos familiares adoece e não pode mais cumprir o seu papel, há um desequilíbrio, que desencadeia uma crise, obrigando a uma reorganização familiar.

Boss (1998) dá o nome de perda ambígua àquela em que o membro da família está fisicamente presente e psicologicamente ausente, como no caso da demência. O autor explica que este fenômeno gera conflito pelo fato de os familiares não saberem quem está dentro e quem está fora do sistema familiar, resultando em estresse para o grupo.

Objetivamente, a necessidade de cuidar do paciente pode interferir em diversos aspectos da vida do cuidador e dos outros membros da família. Por exemplo, os cuidados de uma filha com uma mãe enferma interferem com o seu emprego ou tomam o tempo que seria dedicado a seu marido ou a seus filhos. A situação é agravada porque os cuidados com pacientes demenciados podem durar muitos anos, tornando as trocas na família cada vez mais complexas (Zarit e Edwards, 1996).

Mas não há só as questões de ordem prática. A evolução das doenças mentais deixa os familiares do doente bastante desorientados e confusos, sentindo-se quase sempre impotentes. Como lembra Novaes (1995, p. 44), "a perda de autonomia de um pai por exemplo, sua dependência emocional... desestabiliza a relação até então estabelecida, traz conflitos, afastamentos e insegurança... ".

Cuidar de um idoso dependente é um dos eventos mais estressantes e perturbadores no ciclo de vida familiar. Alguns familiares se distanciam para evitar confrontos, compromissos desagradáveis e a redefinição dos papéis estabelecidos. Outro motivo de distanciamento pode ser o medo: conviver com uma pessoa demente, ainda mais sendo parente, implica estar a todo o momento experimentando o medo de também ter a doença (embora em alguns casos cuidar também possa ser uma maneira de não se dar conta do próprio medo de adoecer).

Dependendo de vários fatores, a rearrumação familiar pode ser mais ou menos fácil, como veremos. As experiências familiares anteriores à doença permeiam a relação atual, ora trazendo bem-estar, ora trazendo desavenças. Nas famílias que já não vinham funcionando bem, comumente persistem e até são exacerbados problemas de relacionamento após o surgimento da doença em um de seus membros (apesar de haver casos de familiares que reataram relações após um período de conflitos, ocasiões em que a doença tem a função de unir). É comum que em situações de crise os conflitos se intensifiquem, ocasionando por vezes separações irreversíveis.

Outro fator a ser considerado é o momento em que a família tomou conhecimento da doença. Famílias que tiveram várias perdas próximo ao surgimento da enfermidade provavelmente custarão mais a se adaptar à nova situação. O mesmo ocorre quando algum parente foi morar em local distante, casou-se, aposentou-se ou perdeu o emprego quando começaram a aparecer os sintomas da doença.


A estigmatização da doença é igualmente prejudicial para a adaptação. Quando se trata de assuntos sigilosos referentes à doença ou quando ela é motivo de vergonha, quando se tenta atribuir a culpa a alguém, não há como reconhecer a perda, compartilhar a dor e se recuperar para investir em outros projetos (Walsh e Mc Goldrick, 1998).
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