A família funciona como
uma totalidade, como uma teia ou uma rede: uma modificação em qualquer parte
afeta o todo. Apesar de existirem diversos tipos de família e de relacionamento
familiar, em todas elas existem papéis estabelecidos que as mantêm em um certo
equilíbrio. Nas famílias mais antigas era comum o pai ser o provedor e a mãe
cuidar dos afazeres domésticos. Apesar das modificações ocorridas nesses
papéis, cada membro continua com atribuições determinadas em função do seu
lugar no seio da família e de suas características pessoais. Quando um dos
familiares adoece e não pode mais cumprir o seu papel, há um desequilíbrio, que
desencadeia uma crise, obrigando a uma reorganização familiar.
Boss (1998) dá o nome de
perda ambígua àquela em que o membro da família está fisicamente presente e
psicologicamente ausente, como no caso da demência. O autor explica que este
fenômeno gera conflito pelo fato de os familiares não saberem quem está dentro
e quem está fora do sistema familiar, resultando em estresse para o grupo.
Objetivamente, a
necessidade de cuidar do paciente pode interferir em diversos aspectos da vida
do cuidador e dos outros membros da família. Por exemplo, os cuidados de uma
filha com uma mãe enferma interferem com o seu emprego ou tomam o tempo que
seria dedicado a seu marido ou a seus filhos. A situação é agravada porque os
cuidados com pacientes demenciados podem durar muitos anos, tornando as trocas
na família cada vez mais complexas (Zarit e Edwards, 1996).
Mas não há só as questões
de ordem prática. A evolução das doenças mentais deixa os familiares do doente
bastante desorientados e confusos, sentindo-se quase sempre impotentes. Como
lembra Novaes (1995, p. 44), "a perda de autonomia de um pai por exemplo,
sua dependência emocional... desestabiliza a relação até então estabelecida,
traz conflitos, afastamentos e insegurança... ".
Cuidar de um idoso
dependente é um dos eventos mais estressantes e perturbadores no ciclo de vida
familiar. Alguns familiares se distanciam para evitar confrontos, compromissos
desagradáveis e a redefinição dos papéis estabelecidos. Outro motivo de
distanciamento pode ser o medo: conviver com uma pessoa demente, ainda mais
sendo parente, implica estar a todo o momento experimentando o medo de também
ter a doença (embora em alguns casos cuidar também possa ser uma maneira de não
se dar conta do próprio medo de adoecer).
Dependendo de vários
fatores, a rearrumação familiar pode ser mais ou menos fácil, como veremos. As
experiências familiares anteriores à doença permeiam a relação atual, ora
trazendo bem-estar, ora trazendo desavenças. Nas famílias que já não vinham
funcionando bem, comumente persistem e até são exacerbados problemas de
relacionamento após o surgimento da doença em um de seus membros (apesar de
haver casos de familiares que reataram relações após um período de conflitos,
ocasiões em que a doença tem a função de unir). É comum que em situações de
crise os conflitos se intensifiquem, ocasionando por vezes separações irreversíveis.
Outro fator a ser
considerado é o momento em que a família tomou conhecimento da doença. Famílias
que tiveram várias perdas próximo ao surgimento da enfermidade provavelmente
custarão mais a se adaptar à nova situação. O mesmo ocorre quando algum parente
foi morar em local distante, casou-se, aposentou-se ou perdeu o emprego quando
começaram a aparecer os sintomas da doença.
A estigmatização da
doença é igualmente prejudicial para a adaptação. Quando se trata de assuntos
sigilosos referentes à doença ou quando ela é motivo de vergonha, quando se
tenta atribuir a culpa a alguém, não há como reconhecer a perda, compartilhar a
dor e se recuperar para investir em outros projetos (Walsh e Mc Goldrick,
1998).
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