A sabedoria dos ensinamentos
budistas me encanta e sempre que os “maremotos” tentam me desequilibrar, em
meio às ondas do Alzheimer, busco-a para nela fortalecer meu espírito.
Nessas três últimas semanas,
vivendo a minha incessante luta para oferecer à minha mãe as melhores condições
para manutenção de sua qualidade de vida, tenho me deparado com a dificuldade
de encontrar profissionais com perfil e capacitação para exercer as funções de
um bom cuidador.
Foi assim que, um tanto
angustiada pela situação, busquei reler trechos do ‘Livro Tibetano do Viver e
Morrer’, de autoria do professor budista do Tibete – Sogyal Rinpoche e voltei a
me emocionar com o belíssimo capítulo que discorre sobre a compaixão, cujo
pequeno trecho que escolhi para dividir com vocês diz assim: “…a compaixão é
uma coisa muito maior e mais nobre do que sentir dó. Quando você sente dó, as
raízes desse sentimento estão deitadas no medo e num sentimento de arrogância e
condescendência, às vezes até um presunçoso ‘ainda bem que isso não é comigo’.”
Em continuidade ao trecho acima
destacado, o autor faz referência a Stephen Levine (autor e professor de
meditação guiada e cura técnicas – ‘Healing’) que, de forma delicada e
preciosa, faz-nos compreender o significado desse nobre sentimento:
“Quando seu medo toca a dor de
alguém, torna-se piedade; quando seu amor toca a dor de alguém, torna-se
compaixão’.”
Aqui no site, temos debatido
sobre as qualidades e o perfil necessário para que se possa cuidar de nossos
idosos. Falamos do respeito, da paciência, da dedicação, do carinho, do senso
de humor e, sobretudo, falamos do amor. Hoje, quero falar e refletir sobre a
compaixão.
Diante do entra e sai de
candidatas – com ou sem curso de capacitação – que se oferecem para exercer a
atividade de cuidadora de minha mãe, pelo que tenho observado durante os
períodos de experiência, além de uma visão equivocada sobre a questão do que seja
cuidar de alguém, a grande maioria demonstra inabilidade para exercer a
profissão.
Explico: quando se encontra
alguém com perfil que se encaixa nos níveis aceitáveis de educação doméstica,
princípios éticos, noções básicas de higiene, faltam-lhe as habilidades
específicas necessárias para interagir com o idoso portador de DA e a motivação
para aprendê-las. Por outro lado, aquelas que se enquadram num perfil mais
próximo do desejado, enfrentam o problema de não terem com quem deixar seus
filhos, pois não há creches gratuitas e confiáveis para cuidar dos pequenos
enquanto cumprem suas jornadas de trabalho.
Claro está que a questão social e
cultural tem um peso significante quando levamos em consideração os níveis de
escolaridade muito baixos, a precária situação econômica e o preconceito em
relação aos idosos – principalmente os dependentes que são vistos como pessoas
que já não mais possuem vontade própria ou direito a ter suas preferências.
A reflexão que pretendo estimular
aqui é de que esse não é simplesmente um problema de profissionais com
capacitação técnica, mas de se poder contar com pessoas que possuam habilidades
próprias para lidar com a fragilidade humana.
Nos últimos tempos, tenho tido a
sensação de que o ser humano – com medo dos próprios sentimentos e para não se
arriscar a expor a sua própria fragilidade – torna-se aquele fazedor de tarefas
sem muito envolvimento ou compromisso com o que faz. Percebe-se claramente o
medo, a rejeição e a impaciência. Minha mãe também percebe e costuma demonstrar
isso se recusando a ser tocada ou cuidada por aquela pessoa. Mas, vocês devem
estar perguntando, o que tem isso a ver com compaixão?
Digo-lhes: tem tudo a ver! A
compaixão de que nos fala o Prof. Rinpoche e que o Prof. Stephen Levine
reafirma, nenhuma relação tem com pena ou piedade. A compaixão é o mergulho
consciente no reconhecimento da nossa condição humana, sujeita aos mesmos
ciclos de sofrimentos, fraquezas e fragilidades de qualquer ser vivente.
Ela é, portanto, a fonte de onde
brota a solidariedade, o perdão, o serviço. É o “amar ao próximo como a si
mesmo” como nos ensinou Cristo. Sem dúvida alguma, é a genuína e essencial
sensibilidade que nos capacita olhar para outro ser humano, vendo a nós mesmos
naquela condição e situação em que se encontra.
Enfim, conforme afirma Leonardo
Boff em seu texto ‘Saber Cuidar – Ética do Humano’: “Tudo começa com o
sentimento. É o sentimento que nos faz sensíveis ao que está à nossa volta, que
nos faz desgostar. É o sentimento que nos une às coisas e nos envolve com as
pessoas… É o sentimento que torna pessoas, coisas e situações importantes para
nós. Esse sentimento profundo, repetimos, se chama cuidado.”
Gracinha Medeiros
http://www.cuidardeidosos.com.br/
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