sábado, 18 de maio de 2013

LINGUAGENS DO CORPO, DA ALMA, DO CORAÇÃO



Tenho pensado muito e ao contrário do que muitos julgam – nos últimos tempos, tenho vivido mais intensamente! Emoções, afetos, relacionamentos fraternos, amorosos, adquiriram novos aspectos e sob uma perspectiva mais abrangente, a vida ganhou um novo significado.
Meu olhar cinqüentenário encontra o olhar da criança que fui e me vê crescendo, adolescendo, amadurecendo, envelhecendo… meu pai, minha mãe… a vida seguindo seu curso… meus amores, meus medos, minhas alegrias e dores.
Olho para minha mãe e sinto a alegria de vê-la ainda viçosa no humor, na relativa autonomia que ainda possui – caminhando conosco e mantendo conservada a força de sua auto-estima. Entretanto, a comunicação verbal é cada vez mais vaga e imprecisa…
Percebo com clareza que o portador do Alzheimer é um guerreiro solitário travando uma luta constante e inglória contra o vazio do esquecimento… No mundo das palavras, seu campo de ação torna-se cada vez mais estreito e limitado para que possa dar vazão ao império dos sentidos. Já no universo do sentir a vida pulsa estrondosa e vibrante, sem subterfúgios nem fronteiras!
Assim, quando o repertório das palavras se evapora, voltamos a descobrir a forma única com a qual todo o universo se comunica: as linguagens do corpo, da alma, do coração! Aliás, pensando bem, não foi assim que nascemos – vazios de qualquer palavra, analfabetos de qualquer idioma?! E mais: também não ‘conhecíamos’ as pessoas que nos abordavam nem tínhamos idéia de nomes, lugares ou qualquer referência de tempo, de espaço… no entanto, o universo dos sentidos sempre funcionou com muita intensidade, não é mesmo?
Dessa forma, diante dos silêncios, das palavras desconexas, dos pequenos gestos, das posturas corporais, dos mínimos detalhes das expressões faciais ou do foco do olhar, vou conseguindo encontrar pistas indispensáveis para detectar se minha mãe está confortável ou padecendo de algum mal-estar.
Nesse reaprendizado da linguagem universal, com a qual todos nós nascemos, a intuição aflora e somos envolvidos por uma capacidade de percepção muito além do alcance da nossa visão comum. Há uma expansão do campo da sensibilidade, que nos permite redescobrir a importância do toque carinhoso, do abraço aconchegante, do beijo espontâneo, do olhar cheio de ternura, da delicadeza dos gestos.
Com paciência, espero o tempo que for necessário para que minha mãe possa assimilar as mensagens e, por si mesma, execute as ações ou me forneça às informações de que preciso para melhor ajudá-la em momentos difíceis de crise ou de mal-estar – como na situação que relato a seguir:
Certa noite, após deitar-se, continuou de olhos abertos. Como sempre, deito junto dela e espero que adormeça. As horas foram avançando e resolvi perguntar se estava sentindo alguma coisa. Olhou-me dizendo – “o quê?” – e soltou um gemido. Perguntei se estava sem sono. Respondeu-me: – “não entendo. Não sei…” Respeitando-lhe o silêncio, fiquei quieta, abraçada com ela e lhe acariciando os cabelos…
Alguns momentos depois soltou mais uns gemidos e me disse: – “Vou lhe perguntar uma coisa…” (pausa) “Vixe, eu não sei…” (pausa) “Quero que você me (palavra ininteligível)… Pausa e mais gemidos, desta vez, passando a mão na barriga. Perguntei então se a barriga estava doendo. Ela apenas me olhou com expressão de dor. Pus a minha mão na barriga dela e insisti: – Dói?.. Dói aqui? … É dor: ai! ai! ai! aqui? Ela disse: – “quê?” (pausa) “Não entendo”… “Não sei…” e continuou a gemer, olhando-me com ar de quem não sabe o que dizer.
Esse jogo de perguntas, silêncios, respostas vagas e alguns gemidos continuou, sem que eu pudesse me situar sobre o que estava acontecendo ou que providência deveria tomar. Quando lhe disse que iria sair para procurar um remédio, ela reagiu: – “Não! Não saia agora não!… Quero lhe perguntar…” (pausa). Esperei um pouco e disse: – O que quer saber? Entre pausas, silêncios, ela disparou a falar: – “Não sei…” “Não entendo”… “Ô meu Deus!”… “Fico pensando…” “Quero me lembrar…” “Não sei…” “Tenho medo…” “Às vezes acho que… tô maluca… que Deus me livre!” (pausa longa) “Não sei se casei se não casei…” “Ah meu Deus!…”
Sentindo-lhe a angústia na agitação do corpo dela contra o meu, abracei-a forte, fui ouvindo, respondendo às perguntas e buscando acalmá-la : – Eu estou aqui com você! (ela ficou me olhando)… Você não está sozinha! (continuou me olhando)… Você não está maluca! Depois ficamos em silêncio… Enquanto a beijava e acarinhava, ela se aconchegou no meu abraço, gemeu um pouco e, após um tempo, adormeceu…
Um abraço a todos e lembrem-se: assim como “o essencial é invisível aos olhos” (Antoine de Saint-Exupéry) somente o coração expressa e traduz a linguagem da alma! (Gracinha Medeiros).
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