Apagou-se a memória.
São visões que o cercam,
vultos que transitam, como névoa,
como sombras que o lusco-fusco da luz
de uma fresta de janela
desenha na parede do seu quarto.
Apagou-se o tempo.
Não contam dias e meses,
horas e minutos.
E nem distância, longe ou perto.
O que há é só intermitência
entre sono e olhos abertos,
escuridão e claridade,
nada que ligue
o que dorme e o que desperta,
o que é inerte ou o que se agita,
o que é ficção ou realidade.
Opaco, o tempo escoa.
Não passa: vai-se.
Apagou-se a emoção:
este gesto é só tremor,
espasmo muscular.
A mão que acena não pede,
não suplica, não ordena.
Apenas move-se por instinto,
ou por comando involuntário:
não tem objetivo nem propósito,
e nem fim utilitário.
A palavra é busca insana, balbucio,
desmembrada: não tem origem
nem se destina a nada.
Apagou-se a vida.
O que há é matéria
que insiste em ser corpo: ainda vivo
porque respira, expira, expele
e, ora aquecido, ora frio,
ainda deixa fluir sangue nos vasos,
ainda troca gases nos alvéolos,
ainda digere com enzimas,
ainda se regula com hormônios.
Está morto e vivo,
e nem percebe se é um ou outro,
que a diferença é fugaz, insuspeitada.
E nem se sabe de onde nasce:
talvez desta lágrima filetada
que lhe escorre, mansa, pela face…
(Por Jota Dangelo em 17/03/2012)
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