segunda-feira, 27 de maio de 2013

O APAGAR DA MEMÓRIA


O doente de Alzheimer perde de tal forma a memória que não sabe o que são os alimentos ou o que é comer. Também não sabe a sua identidade ou dos que estão em seu redor. Atinge um estado de inconsciência absoluta e perde a autonomia. Por isso é que os especialistas dizem que são os familiares quem mais sofre, emocionalmente, com a doença.

 Para prestar apoio a estes familiares, existem associações, cujo objetivo é também divulgar a doença que atinge 15 milhões de pessoas com mais de 65 anos. Em Portugal são 50 mil os atingidos. 

A doença de Alzheimer é ainda olhada por muitos como um sinal de vergonha, mas para quebrar esse estigma algumas figuras públicas assumiram publicamente este problema sem cura. É o caso de Ronald Reagan, Rita Hayworth ou Luis Villas-Boas, que hoje é homenageado num espectáculo em Lisboa. Na carta à América em que anunciou sofrer de doença de Alzheimer, Ronald Reagan, ex-ator e antigo Presidente dos Estados Unidos, dizia o seguinte: "Lamento o sofrimento por que Nancy (a mulher) vai passar". Reagan sabia que Nancy assistiria sozinha à sua degradação física. Ele passaria inconsciente pela sua própria demência. Perda de memória, desorientação, depressão e deterioração das funções corporais são os efeitos da doença.

 Para se ter uma ideia da incapacidade que provoca, o doente deixa de poder calçar sapatos - porque deixa de saber o que são e para que servem os sapatos. Dez por cento da população mundial com mais de 65 anos - e metade dos que têm mais de 85 - sofre da doença de Alzheimer. Em Portugal calcula-se que sejam 50 mil os afetados. O número é elevadíssimo. Mas há muitas mais pessoas cujas vidas são atingidas pela doença, e é impossível contabilizá-las.

 São os familiares, que sofrem o pesado desgaste emocional derivado de conviver com um doente de Alzheimer, uma demência provocada pela morte em massa das células nervosas em regiões do cérebro que são importantes para a memória e as funções intelectuais. É por isso que o doente deixa de saber quem são os que estão à sua volta. Não reconhece os objetos, deixa de saber que é preciso alimentar-se e ter hábitos de higiene.

 A doença tem três fases de desenvolvimento. Na primeira, o indivíduo atingido começa a perceber que alguma coisa anormal se passa. Surgem as primeiras falhas de memória e pode, por exemplo, encontrar-se num lugar sem saber como e porque lá foi parar. A segunda fase é a do diagnóstico médico, o momento em que as famílias são alertadas para o que se vai passar a seguir. Finalmente, o doente perde totalmente a noção da sua doença e do seu comportamento até morrer, em média oito anos após os primeiros sinais. "Os doentes necessitam de apoio e vigilância permanentes. Não podem ficar sozinhos, pois podem criar situações de perigo como abrir o gás e não o fechar.
Daí o desgaste emocional dos familiares, que também sofrem por ver os seus parentes degradar-se", explica o neurologista Carlos Garcias, da Associação Portuguesa dos Familiares e Amigos dos Doentes de Alzheimer (APFADA). Era a este duplo sofrimento que Ronald Reagan se referia, porque o ex-Presidente sabia que iria passar a viver numa espécie de estado vegetal.

Muitas famílias optam por esconder a verdade aos doentes. Acompanhar um doente de Alzheimer é uma tarefa tão solitária como a vida do próprio doente. A vida do "cuidador" - na expressão de Carlos Garcias - pode ter momentos de embaraço, como explicam no livro "The 36 hours day" (Um dia de 36 horas) os médicos norte-americanos Nancy Mace e Peter Robins. O marido de uma mulher que sofre da doença de Alzheimer: "Quando vai ao supermercado tira as coisas e vai-se embora". Uma mulher que tem a mãe doente: "De cada vez que tentamos dar-lhe banho, ela abre a janela e grita por socorro. Como explicar isto aos vizinhos?". Responder a situações concretas como esta é um dos trabalhos da APFADA, que tem uma linha telefónica de apoio aos "cuidadores" (353 34 94), e cujos cerca de 300 sócios organizam reuniões para falar dos seus problemas. Divulgar a doença é outro dos objetivos da Associação.

 Muitas pessoas ainda consideram que a existência da doença de Alzheimer é algo que deve ser escondido. Os motivos desta vergonha são diversos. Muitas famílias não gostam que se saiba que existe no seu seio um demente crônico  Outras querem evitar o estigma de "família com Alzheimer", já que as investigações científicas apontam para a possibilidade de a doença poder ser hereditária. Foi em 1907 que o neurologista alemão Alois Alzheimer identificou a doença. Desde então a investigação científica não conseguiu encontrar uma cura, ou uma forma de travar esta demência, cuja causa também não é conhecida.

O primeiro medicamento especialmente direcionado para a doença de Alzheimer foi introduzido no mercado norte-americano - nos Estados Unidos a doença afeta quatro milhões de pessoas - há apenas três anos. Este medicamento é feito à base de tacrina, a primeira substância a provocar uma pequena ação sobre os sintomas. Os seus efeitos são diminutos e é um medicamento tóxico. Talvez porque "os riscos não compensam os efeitos" não é comercializado em Portugal, diz Carlos Garcias. Actualmente, são dez por cento as pessoas no mundo afetadas com a doença de Alzheimer.

 Mas devido ao aumento da esperança de vida, o número vai crescer dramaticamente nas próximas duas décadas. E as mulheres, cuja esperança de vida é superior à dos homens, serão as mais atingidas, revelam os especialistas que não hesitam em chamar-lhe a "epidemia do século XXI". Na segunda metade desta década, têm-se registado alguns progressos no campo da investigação das causas e da possibilidade de existir uma forma de diagnóstico. (Por enquanto, apenas a autópsia permite diagnosticar a doença com uma certeza absoluta). Mas os últimos anos foram sobretudo de divulgação da doença, para o que contribuiu a instituição, em 1994, do Dia Mundial do Doente de Alzheimer que hoje se assinala.

Personalidades públicas como Reagan não hesitaram em afirmar publicamente padecer desta doença destruidora, que transforma as pessoas numa espécie de ser vegetal sem identidade e consciência. A instituição do Dia Mundial foi uma iniciativa da organização AlzheimerÕs Disease International, que é presidida pela princesa Yasmin Aga Khan, filha de uma vítima da doença de Alzheimer. (Ana Gomes Ferreira).

http://www.angelfire.com/

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