quarta-feira, 29 de maio de 2013

O HOMEM QUE TINHA ALZHEIMER


Aníbal Barbalho, aqui pra nós, é engenheiro, inclusive professor do curso de engenharia da UFRN, hoje aposentado, por absoluto erro de cálculo. Na verdade, ele é um contador de histórias que por insistência dos amigos já lançou um livro cheio de bom humor e anda juntando histórias e estórias, pequenos contos, como esta sobre do homem que tinha Alzheimer.

As lembranças me fazem viver.
Lembrar a infância é lembrar aventuras.
As brincadeiras, os amiguinhos, as danações, os carões de pais e avós.
Lembrar do colégio, dos professores, dos colegas, das aulas enfadonhas e dos primeiros conhecimentos. Alguns ficaram para sempre. Outros desapareceram com o passar do tempo. Quanto se passou entre aqueles tempos e os momentos atuais? Não sei. Pedi um pouco a noção de tempo.
São apenas recordações. É tudo que me resta.
Às vezes me pergunto: qual minha idade verdadeira?
Quando estou deitado e quase sempre estou deitado, passa na minha mente histórias e estórias. Nunca sei bem se estou dormindo e sonhando ou mesmo acordado e apenas pensando. Que coisa intrigante.
Não gosto mais de ler. Nem livros e nem revistas. Lembro que gostava muito de ler jornais. Mas, agora quando tento ler, não compreendo quase nada. Falam de pessoas que nunca conheci e de cidades que nem sabia que existiam. Ver televisão para mim é uma tortura. Sempre alguém liga pela manhã e outro alguém desliga no início da noite. Dizem que é bom para exercitar meu cérebro. Que nada. Só me traz desconforto em ver pessoas bonitas, que fingem que não me conhecem e nem falam comigo.
Meus sonhos/pensamentos sempre me levam para um mundo que me era muito mais prazeroso. Gostava muito de viajar para lugares distantes. Hoje, nos meus sonhos, não sei se viajo para longe ou é o longe que viaja para perto de mim.
Lembranças de cores, perfumes, imagens, músicas e principalmente mulheres. Tive muitas, mas poucas me tiveram. Às vezes lembro das mulheres belas e outras nem tanto. Algumas dessas estão associadas às músicas de minha preferência. Não sei bem se lembro das músicas que lembram as mulheres ou ao contrário. Não importa. Aliás, pouca coisa hoje me importa.
Quase todos os dias várias pessoas entram no meu quarto e me perguntam: Como está? Está melhor? Tem tomado os remédios?
Não sei quem são essas pessoas. Falam em filhos e netos. Se referem a papai e vovô. Mas quem são? Não fazem parte das minhas recordações e sonhos. De onde apareceram na minha vida? Por que às vezes me beijam e me abraçam? Se eu nem as conheço…
Prefiro quando elas vão embora e eu volto aos meus pensamentos. São mais reais e me dão mais prazer.
Nos últimos dias uma pergunta não sai de meus pensamentos.
Quem sou eu?.
(Vicente Serejo)

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