quarta-feira, 29 de maio de 2013

MEMÓRIAS APAGADAS


As marcas das pegadas vazias no tapete peludo ao lado da cama evidenciavam o nascer do sol. Ao cantar do galo, Noah desperta, coloca seus óculos e toma os dois comprimidos amanhecidos deixados ao lado de um copo com água. Apoiando-se em sua bengala, vai até o espelho, passa a mão em seus cabelos brancos e ralos que mal preenchem um pequeno pente, caminha até a cozinha, ignorando o choro da madeira sob seus pés. Coloca a água na chaleira e prepara o café da manhã para dois.
Sentiu o aroma forte do café recém feito, e a imagem de seus olhos azuis e seus óculos de hastes leves veio a sua mente, seus cabelos pretos e seu perfume fresco faziam sintonia com o som doce do seu riso. Hoje, aqueles mesmos olhos azuis eram vistos cercados por rugas, mas o sorriso ainda era o mesmo.
-Bom dia, querida! Já preparei seu café, aqui está o seu remédio!
Rose senta-se desconfortável no velho banco de madeira encostado na porta:
- Quem é você? O que você esta fazendo na minha casa?
- Sou eu meu amor, o Noah, seu marido, lembra-se? Nós moramos aqui há 54 anos, desde que nos casamos. Você se esqueceu de novo de mim, não é? Não tem problema, meu bem, tome seu café, está quentinho ainda, eu acabei de fazer!
- Não vou tomar esse remédio! Eu não conheço você! Não vou tomar!
- Você precisa tomar, isso faz com que você se sinta melhor.
Rose com as mãos trêmulas e enrugadas pega um dos comprimidos e engole com má vontade.
- Mas, mas, desde quando nós nos conhecemos? Eu nããão, ãn, me lembro de você.
- Ah querida, você anda meio esquecida, mas é normal. Eu esqueço algumas coisas às vezes também. Nós nos conhecemos na faculdade, lembra-se? Temos quatro filhos, lindos, e duas netinhas do nosso filho mais velho, Mark, esta se recordando?
- Ahhh ta. Acho que estou me lembrando.
- Olha essa foto, essa é a nossa família! E essa é a foto do dia em que nos casamos, nós estávamos tão felizes! Olha só como éramos bonitos, vivemos muitos momentos felizes aqui no chalé, ele envelheceu junto com a gente, não é minha velha?! Olha só, até o galo não canta mais igual. É meu bem, o tempo passa… Olha, já preparei o seu banho, vou me vestir enquanto você toma seu café.
- Tudo bem. Obrigada querido.
Depois de alguns minutos, Noah volta e encontra Rose sentada no mesmo lugar.
- O que foi querida? Já tomou seu banho?
- Não. Eu esqueci. Querida? Quem é você, e por que esta me mandando tomar banho?
- Meu amor, sou eu, o Noah, seu marido. Você anda meio esquecida. Termina o seu café, eu vou te levar até a banheira.

O Mal de Alzheimer é uma doença degenerativa comum em pessoas idosas. É a principal causa de demência em pessoas com mais de 60 anos no Brasil, duas vezes mais comum que a demência vascular, sendo que em 15% dos casos, eles ocorrem simultaneamente. Atinge 1% dos idosos entre 65 e 70 anos, mas sua prevalência aumenta exponencialmente com os anos sendo de 6% aos 70, 30% aos 80 anos e mais de 60% depois dos 90 anos.
Com o avançar da doença vão aparecendo novos sintomas como confusão mental, irritabilidade e agressividade, alterações de humor, falhas na linguagem, perda de memória a longo prazo e o paciente começa a desligar-se da realidade. Muitas pessoas não têm paciência e acabam abandonando ou ignorando os portadores desta doença e muitos caem no esquecimento dos familiares. (Publicado em 25/10/2011 por Bruna Novaes).

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