Antes de ser mãe da minha mãe, eu
comia refeições quentes, eu usava roupas sem manchas, eu tinha calma ao falar
ao telefone, eu dormia tão tarde quanto eu quisesse e nunca me preocupava com a
hora de acordar, eu escovava meus cabelos vagarosamente e tomava banho sem
pressa, minha casa estava limpa todos os dias, eu nunca tropeçava em bonecas,
ou pensava em canções de ninar, eu não me preocupava se minhas plantas eram
venenosas, eu nem sabia que existiam bengala, andador e cadeira de rodas,
ninguém nunca tinha vomitado ou feito xixi em mim, trocado fraldas de adulto
então nem pensar, eu nunca tinha sido beliscada por outra realidade, ninguém
antes tinha me molhado, discutido comigo, me chingando, eu tinha controle de
minha mente, dos meus pensamentos, do meu corpo e do meu tempo, eu dormia a
noite toda.
Antes de ser mãe da minha mãe eu
nunca tinha ouvido gemidos, ido tanto a médicos, ficar sem dormir vigiando uma
criança resmungando e tendo alucinações e eu dizendo que estava tudo bem
segurando suas mãos e olhando com firmeza seus olhos.
Antes não tinha ninguém estranho
em casa dividindo tarefas pré-determinadas, para que eu pudesse cuidar um pouco
de mim, não sabia que minha filha grande não podia comer de tudo, por que a
doença a fazia perder a noção e nunca a saciava e nestas horas precisava dizer
não.
Nunca havia introduzido nas
refeições leites de soja, adoçantes, gelatina diet , arroz integral e uma
enorme diversidade de frutas
Nunca havia experimentado a
sensação de impotência, nunca havia brigado como um leão na frente de um juiz
para que meus irmãos me deixassem eu e minha filha em paz por que quem cuida
tem esse direito chamado PAZ.
Nunca havia mostrado tanta fúria
no corredor dos hospitais para um atendimento mais rápido alegando a doença e a
idade de alguém.
Antes de ser mãe da minha mãe
recebia visitas de amigos, telefonemas e convites.
Antes eu nunca chorei olhando
pequeninos olhos que nada entendiam, eu nunca tinha ficado gloriosamente feliz
por causa de uma simples coco que diminuía as dores intermináveis em sua
barriga, eu nunca tinha sentado tarde da noite só para tentar planejar o que
fazer nos próximos dias, eu nunca havia sentido meu coração quebrar em um
milhão de pedaços porque eu não pude parar uma dor e uma doença..
Eu nunca imaginaria que algo tão
inusitado pudesse afetar tanto minha vida, eu nunca soube que realmente lá na
frente, depois de tantas barreiras, amaria ser mãe da minha mãe, por que antes,
eu não conhecia a sensação de ter meu coração fora do meu corpo, eu não
conhecia a força do amor entre uma mãe e sua filha adoecido, eu não conhecia o
calor, a alegria, o desgaste, as dúvidas, a preocupação, eu não sabia que era
capaz de sentir tudo isso com tanta intensidade e ainda me achar capaz e reagir
perante tudo e todos e assim assumir os cuidados integrais respeitando meus
limites e por tudo e apesar de tudo hoje agradeço a tarefa que me foi árdua
mas, que valeu a pena no aprendizado da vida e no fortalecimento da fé, por que
com ela consegui vencer minhas próprias barreiras internalizadas em mim. (Rosana
Nied)
http://alzheimernafamilia.blogspot.com.br/
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