“Há no caminho de todo ser vivo dois fatos que são tidos
especificamente pelos seres humanos como o ápice da vida: o nascimento e a
morte. São fatos que carregam consigo enorme carga emotiva e sentimental e, se
comparados entre si, entram em paradoxo total. O nascimento é a celebração de
uma nova vida, já a morte é vista como vilã, e tira de nós alguém que sempre
esteve ao nosso lado.
A experiência de possuir um
parente com Alzheimer é realmente desafiante e nos dá, por diversas vezes, a
sensação de que aquela pessoa, pelo menos por inteiro, não está mais ao nosso
lado. É desconcertante e, no primeiro momento, até enigmático ver nossa avó ter
atitudes infantis em tão avançada idade. Hoje ela tem 85 anos. Os sintomas
começaram a aparecer em 1999, mais ou menos. Desde o início, para que a gente
pudesse ter um mínimo de harmonia na convivência com nossa avó, tivemos que
travar uma intensa luta contra tudo o que a sociedade atual nos induz a ser,
pois somos filhos de uma geração que nos faz individualistas e imediatistas,
com as facilidades tecnológicas que temos atualmente. E essa luta, apesar de se
tornar cada vez mais necessária, se faz mais fácil quando se tem informações,
apoio e, principalmente, aceitação da doença.
É justamente por isso que na fase
inicial, apesar de se ter um cansaço físico bem menor do que em fases mais
avançadas, tem-se um cansaço emocional muito grande. Nesse período preliminar,
não tínhamos ideia do que poderia estar acontecendo com nossa avó. Apenas
presenciávamos fatos estranhos que encarávamos com total falta de paciência,
pois era inadmissível, para nossa racionalidade, ver alguém tão próximo e tão
experiente não saber mais tomar banho, nem voltar para casa depois de um breve
passeio com o cachorro. A partir do momento em que tomamos ciência de que nossa
avó estava acometida da doença, passamos a lidar de maneira bastante diferente.
O que antes era estresse, tornou-se leve à base de toques de bom humor, o que é
essencial no trato com o portador de Alzheimer.
É claro que sabemos, por
experiência própria, que é muito difícil, de início, colocarmos em prática esse
senso de humor nas menores situações que sejam. Mas quando isso é feito,
pode-se notar logo como faz diferença. A relação com o portador fica muito mais
harmoniosa e cada função torna-se menos desgastante. Não adianta se irritar com
o doente quando esse fizer algo inusitado. Os sentimentos ruins são logo
percebidos por eles, que acabam por absorvê-los de alguma forma, tornando a
convivência o mais difícil e estressante possível. Por isso é sempre melhor
tentar relaxar e optar pelo senso de humor, tomando o cuidado para não virar
sarcasmo.
Portanto, como a própria vida tem
o seu começo, meio e fim, é necessário viver cada etapa que ela nos apresentar,
independente das dificuldades, pois é daí que vem o amadurecimento que nos faz
melhores. Mesmo que esse aprendizado venha de alguém inútil para a sociedade. E
essa que é a grande riqueza da vida: crescer com quem aparentemente não tem
nada a te oferecer.” (Palmas)
(Depoimento do Cuidador Bernardo
Ferreira Câmara)
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