A sobrecarga dos cuidadores é um
dos mais importantes problemas causados pela demência (Grafstrom et al., 1992;
Taub et al., 2004). O termo Burden (impacto) da língua inglesa tem recebido
bastante atenção da literatura e é utilizado para descrever os aspectos
negativos associados ao cuidado de um paciente dependente (Dunkin & Hanley,
1998; Garrido & Almeida, 1999; Mohide, 1993). Estes aspectos dizem respeito
à presença de problemas, dificuldades ou eventos adversos que afetam
significativamente a vida dos responsáveis pelo paciente (Garrido &
Almeida, 1999) nos âmbitos físico, financeiro e emocional (Dunkin & Hanley,
1998).
Na literatura, estudos com
grupos-controle evidenciam algumas diferenças entre cuidadores de idosos
demenciados e outros grupos populacionais. Um estudo comparativo entre
cuidadores de três grupos geriátricos diferentes - pacientes com DA, pacientes
com demência vascular e idosos não demenciados - revelou que o impacto sofrido
pelos cuidadores é maior em cuidadores de pacientes com DA (Rainer et al.,
2002). Outros estudos indicaram que os cuidadores de pacientes com demência
apresentavam maiores índices de impacto que cuidadores de pacientes com
depressão, AVC ou idosos hígidos da comunidade (Garrido & Almeida, 1999).
Cuidadores de pacientes com DA possuem maiores chances de ter sintomas
psiquiátricos, mais problemas de saúde, maior freqüência de conflitos
familiares e problemas no trabalho, se comparados a pessoas da mesma idade que não
exercem o papel (Cerqueira & Oliveira, 2002). Outro estudo evidencia que
cuidadores de idosos dementes apresentam um pior julgamento sobre a própria
saúde, sentem-se mais estressados e com a vida afetiva e social mais limitada
do que cuidadores de idosos não dementes (Grafstrom et al., 1992).
O impacto sofrido pelos
cuidadores pode ser observado também na utilização de serviços de saúde, já que
cuidadores de pacientes com DA consultam 46% mais médicos e utilizam mais
medicamentos psicotrópicos - como antidepressivos e antipsicóticos - do que
cuidadores de pacientes que não têm DA (Garrido & Almeida, 1999; Grafstrom
et al., 1992; Haley, 1997). Pesquisas demonstram que os cuidadores apresentam
uma piora na saúde física (Garrido & Menezes, 2004), um prejuízo no sistema
imunológico, que pode persistir até quatro anos após o falecimento do paciente
(Haley, 1997). Em decorrência do impacto, até 60% dos cuidadores podem
desenvolver sintomas físicos e psicológicos. Os sintomas físicos mais comuns
são: hipertensão arterial, desordens digestivas, doenças respiratórias e
propensão a infecções. Sintomas psicológicos freqüentes são: depressão,
ansiedade e insônia (Engelhardt et al., 2005). A saúde precária do cuidador é
um fator que contribui para a institucionalização do paciente (Dunkin &
Hanley; 1998; Haley, 1997; Grafstrom et al., 1992). Os altos índices de
depressão em cuidadores de pacientes com DA são evidenciados com freqüência na
literatura (Cerqueira & Oliveira, 2002; Engelhardt et al., 2005; Garrido &
Almeida, 1999; Garrido & Menezes, 2004; Grafstrom et al., 1992; Haley,
1997; Rodrigues, Andrade & Mendes, 1995), chegando a atingir entre 30 e 55%
dos cuidadores, os quais sofrem risco de desenvolver a doença duas a três vezes
maior que o restante da população.
Para avaliar o impacto nos
cuidadores é essencial que se desenvolvam instrumentos que possam medi-lo (Taub
et al., 2004). Para atingir este objetivo, em 1985, Zarit e colaboradores
desenvolveram a escala The Zarit Burden Interview (ZBI). A escala possui 22 questões
que avaliam o impacto do cuidado nas esferas física, psicológica e social, com
uma pontuação que pode variar de 0-4. A escala é bastante utilizada em
pesquisas com cuidadores de idosos demenciados (Cerqueira & Oliveira, 2002;
Garrido & Menezes, 2004; Taub et al., 2004). No Brasil, a confiabilidade da
escala foi avaliada por Taub et al. (2004), demonstrando ser de fácil
administração e confiável para medir o impacto apresentado pelos cuidadores de
pacientes com demência.
Os fatores de Impacto no cuidador
O primeiro fator a ser
considerado é o posicionamento da família diante da doença. Assim como a doença
passa por vários estágios, a família passa por diferentes etapas. A princípio,
a família não sabe o que está acontecendo diante das manifestações de déficit
do paciente, gerando sentimentos de hostilidade e irritação. Do outro lado, o
paciente pode perceber as próprias deficiências, correndo o risco de
deprimir-se. À medida que a doença vai evoluindo, ocorre a busca por um
diagnóstico, porém, nem sempre os familiares o aceitam rapidamente, podendo
negá-lo, na tentativa de recuperar a " pessoa de antes" . Após a
aceitação do diagnóstico, pode haver uma sensação de catástrofe. As famílias
reagirão de maneiras diferentes, dependendo das próprias características
(Goldfarb & Lopes, 1996). Podem ocorrer três posicionamentos indesejáveis
entre os familiares: superproteção, evasão da realidade e expectativas
exageradas com relação ao desempenho do paciente (Câmara et al.,1998). Os
parentes que fazem evasão da realidade, ou seja, negam a doença, são geralmente
os que mais sofrem; já os que assumem a função de cuidador tendem a monopolizar
a função, colocando-se na posição de serem os únicos a fazer as coisas e
abdicam de qualquer atividade que represente uma satisfação pessoal, acabando
" heroicamente estressados" (Goldfarb & Lopes, 1996). Quando o
paciente não reconhece mais seus familiares há um primeiro luto para a família,
devido à " morte social do paciente" . O segundo luto ocorre com a
morte biológica do ente querido (Goldfarb & Lopes, 1996).
Há situações nas quais a família
não tem condições de cuidar do paciente e recorre à ajuda de uma pessoa,
profissional ou não, que será remunerada para exercer o papel. Neste contexto
entram em cena os cuidadores formais, sujeitos a passar por diversos conflitos
com a família do paciente, podendo ser objeto de projeção de culpas e
frustrações que não podem ser aceitas na família. Diante desta situação é
recomendável que o cuidador formal seja discreto, passe por uma reciclagem de
conhecimentos e possa conversar sobre as ansiedades das quais é portador
(Goldfarb & Lopes, 1996).
Uma característica do paciente
com DA é a necessidade de supervisão crescente, originando fatores de estresse
para o cuidador. Pearlin (1990), citado por Engelhardt et al. (2005) sugere
alguns estressores primários para os cuidadores, dividindo-os em subjetivos e
objetivos. Os estressores objetivos vão se modificando ao longo da evolução da
DA e incluem nível de dependência em AVDs e presença de distúrbios do
comportamento. Os estressores subjetivos correspondem ao modo pelo qual os
estressores objetivos são experimentados pelo cuidador. Estes dois estressores
podem levar a conflitos familiares, problemas econômicos e a uma sensação de
aprisionamento no papel de cuidador.
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