sábado, 11 de maio de 2013

TERAPIA DA BONECA

Reportagem: TERAPIA DA BONECA (Publicada no Jornal Estado de Minas, em 22/07/12)

Libéria Paixão, de 87 anos, não desgruda do seu bebê. Sob os cuidados da filha Cláudia, ela ficou mais calma depois do tratamento. Ora Pedrinho, ora Regina. O sexo do bebê pouco importa para Libéria Paixão, de 87 anos, há 6 diagnosticada com Alzheimer. No seu colo, a boneca com traços de um neném de verdade representa dias mais felizes desde que ficou acamada e conheceu a fase mais avançada da doença que prejudica as funções cognitivas, o comportamento, principalmente a memória. 

 A Baby doll therapy ou Terapia da boneca, usada nos últimos 15 anos para dar conforto a pacientes com demência, tem alcançado resultados promissores para a qualidade de vida dessa população e seus familiares. Pesquisa realizada no Newcastle General Hospital, na Inglaterra, revelou o aumento do comportamento positivo e diminuição dos casos de agressão depois da introdução das bonecas, confirmando estudos anteriores que apontam resultado efetivo na promoção de humor. 

Outro estudo divulgado também na Nursing Times revelou queda na dependência de psicóticos após a chegada das bonecas. Na Ashcroft Care Home, uma casa de idosos de Derbyshire, também na Inglaterra, o número de dependentes desse tipo de medicamento caiu de 92% para 28%. Adepta do método há três anos, Libéria não desgruda do seu bebê. 

Segundo a filha Cláudia Paixão, de 56, tudo começou quando ela começou a confundir a almofada que lhe apoiava na cama com uma criança. “Era um rolinho de espuma, que colocávamos atrás de suas costas para sustentá-la. Às vezes ela olhava para trás e chamava a almofada de neném. Quando jogávamos o objeto na cama ao lado ela alertava: ‘Cuidado, vocês vão machucar esse menino’”, lembra a contadora aposentada, que no início teve dificuldades de presenciar a mãe conversando com o bebê durante a noite como se fosse filho.

Para Judy Robbe, coordenadora do grupo de apoio Hrmonia de Viver e com mais de 25 anos de experiência na promoção da qualidade de vida de pacientes com demência, esse é ainda o principal problema para os familiares. Mas, uma vez descobertos os benefícios, encaram a cena com tranquilidade.

 “Ver minha mãe cuidando do bebê era quase inaceitável. Sofri ao sair da loja com o bebê, mas ela gostou tanto que aceitei. Há três anos mamãe segura a boneca como se fosse um filho. Só se separa dela para tomar banho. Ela ficou mais calma, dócil, mais fácil de lidar. Está alegre e em paz com o bebê”, conta Cláudia. Descoberta em instituições de longa permanência, a terapia é indicada para as fases intermediária ou avançada de demência, entre elas a Doença de Alzheimer. 

Segundo Judy, muitas pacientes acostumadas a cuidar dos filhos, do marido e dos pais, no passado, se sentem sem um papel depois da doença. “Com o bebê passam a ter um novo sentido para viver e se sentem úteis. Vários estudos confirmam que o bebê pode acalmar o idoso ansioso e estressado. Funciona ainda como ferramenta de interação social, servindo como porta-voz do idoso. Se ele diz que neném está triste, pode ser ele que tenha tal sentimento”. MATERNAL - O resultado que Judytem visto nas senhoras mineiras que adotaram o método confirma o que descreve a literatura científica sobre o assunto. 

Os últimos resultados de pesquisa, por exemplo, sugerem que a boneca traz boas lembranças do tempo em que aquela idosa era mãe, preenchendo uma necessidade maternal. “São memórias positivas das noções de amar e ser amado, de ser necessária, de sentir que alguém ainda precisa dela. É algo inconsciente, mas que permite revelar emoções reprimidas. Os cuidados com o bebê assumidos pelo idoso estimulam a comunicação entre parentes e funcionários”. Libéria, por exemplo, não se alimenta sem perguntar se o bebê já comeu. A filha e as cuidadoras trocam a roupa da boneca com frequência , para que acredite que já tomou seu banho. “Valeu a pena. O Alzheimer é muito trite, porque o paciente fica nervoso, tem surtos. Mamãe ficou um doce de pessoa, é como se tivesse encontrado algo que procurava há tempos. Ela está realizada. Acho que é uma regressão, uma volta à casa cheia de crianças do início do casamento, um momento bom do passado. É bom que nesse momento mais difícil ela se lembre da fase em que foi mais feliz”, diz Cláudia. 

A terapia da boneca precisa de métodos. Sua introdução, por exemplo, tem que ser cuidadosa, respeitando a reação do paciente. Segundo Judy, não se deve apresentar a boneca em uma caixa de presente. “É preciso testar se está na hora, se ela vai gostar de interagir com o bebê”, alerta. Uma das maneiras é perguntar se ela pode segurá-lo por uns minutinhos para ajudar a cuidar da criança e observar a reação. “No início, é melhor que acredite que está ajudando a cuidar do bebê de alguém”. Ela pode se estressar com a responsabilidade de cuidar de alguém sozinho”. Outra opção é deixar o bebê sobre uma cama ou poltrona, sem entregar-lhe diretamente a tarefa. Judy costuma testar a reação das pacientes e ver se estão prontas com sua própria boneca. Patrícia, vestida como uma criança. !Uma vez, cheguei na casa de uma senhora para avaliar se seria um bom recurso naquele momento. Fiquei conversando com ela com meu bebê no colo e em certo momento perguntei se podia cuidar dele enquanto ia ao banheiro. Ela não quis, disse que não gostava de criança. Já estava em uma fase intermediária, quando a boneca já tem efeito terapêutico, mas não era o caso”. A boneca deve ser de tamanho e peso semelhantes ao de um bebê. A ideia é que seja visto como uma criança de verdade que não merece cuidados e não como uma boneca com a qual pode brincar.

 Infantilizar o idoso é contraindicado, mas perceber um comportamento infantil no paciente não significa que está sendo infantilizado. “E sempre é bom lembrar: a boneca não traz a cura, a pessoa não voltará a ser o que era antes, mas se sentirá mais confortável”.

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