domingo, 12 de maio de 2013

O DESAFIO DA LONGEVIDADE E O SUPORTE AO CUIDADOR


“Cuidar é uma atitude de amor e interesse por outra pessoa. Cuidar de alguém é geralmente considerado um atributo positivo – um sinal de comportamento maduro e civilizado. A capacidade de uma sociedade cuidar de seus membros menos afortunados é a marca do seu desenvolvimento.”

INTRODUÇÃO
Quando somos jovens ou adultos ou mesmo maduros, pensamos que vamos viver assim para sempre. No entanto, o caminhar da existência continua e, hoje, menos raramente do que se possa pensar, alcançamos 80, 90 anos, chegando à Quarta Idade. ... A virada do século deverá encontrar o Brasil com 8,7 milhões de pessoas com 65 anos e mais (...) Isto quer dizer que 01 em cada vinte brasileiros residentes no país será idoso. Vinte anos mais tarde, essa relação será de 01 para 13 (...) (Berquó, apud Neri e Debert, 1999:38,39).

O importante é saber que o conhecimento sobre esse processo já nos permite planejar um envelhecer saudável. Não podemos associar doenças e morte com o envelhecimento, uma vez que é possível prevenir e “empurrar” as doenças para bem mais tarde ou, talvez, nunca tê-las. Estamos vivendo a plenitude e o sabor de uma saudável Terceira Idade. Contudo, como está a nossa preparação para o aumento da longevidade? Como lidar com doenças crônicas ou dependência física?

As pessoas estão vivendo mais e uma maior longevidade carrega em si determinada fragilidade. O fato é que as pessoas idosas são mais suscetíveis às doenças em geral e às doenças crônicas em particular. Conforme parcelas crescentes da população conseguem atingir idades mais avançadas, aumenta, é óbvio, o número de casos de doenças do tipo crônico-degenerativo, já que a incidência, em geral, é maior entre as pessoas idosas (Yazaki e Saad, 1990: 125).

Segundo Veras (1994), o aumento da expectativa de vida altera o perfil de morbidade da população. A tendência é, em curto prazo, a formação de uma população idosa que, uma vez atingida por doenças crônico-degenerativas, sofre como conseqüência a perda de independência e, necessariamente, irá viver dependente de terceiros. Portanto, idosos, por apresentarem proporcionalmente mais episódios mórbidos do que a população adulta em geral, são acometidos por doenças incapacitantes, tornando-os, em sua maioria, pacientes crônicos, exigindo cuidados constantes.

Ter consciência do que poderá acontecer nos orienta e ajuda na prevenção. Em algum ponto de nossas vidas, a maioria de nós vai se deparar com a necessidade de cuidar de alguém ou até mesmo de ser cuidado. E quem irá nos dar suporte para a realização deste trabalho? Esta é uma reflexão difícil, mas não podemos nos furtar a ela. A relação paciente/cuidador, na verdade, significa exigências específicas quer sejam do cuidador quer sejam do paciente. É interessante pensar sobre elas. Se alguém próximo (pais, esposo, irmão, filho) ficou doente ou incapacitado, o familiar gostaria de:
• poder escolher se irá ou não aceitar a responsabilidade de cuidar diariamente desta pessoa;
• avaliar se terá condições de continuar a viver sua vida com seu trabalho;
• receber suporte para esta assistência - financeiro, médico e de outros profissionais requeridos pela enfermidade;
• receber assistência psicológica durante e ao término dos cuidados;
• obter orientação sobre a doença e ajuda prática no cotidiano;
• conseguir intervalos regulares de descanso e noites bem dormidas;
• ter acesso, junto com a pessoa assistida, a alguma facilidade de lazer, compras e transporte.

Por outro lado, a pessoa que está sofrendo de uma doença crônica ou de alguma dependência física gostaria de:
• participar da decisão de como será tratada (custos/benefícios/riscos) e não ser só comunicada/orientada;
• ser capaz de levar uma vida independente (dentro do possível) com acesso a uma emergência médica, se preciso;
• escolher quando suas necessidades pessoais seriam atendidas por um membro da família ou por um profissional pago;
• ter a oportunidade de “ganhar a vida”, ao invés de depender financeiramente só da previdência social e do amparo familiar;
• ter acesso a uma vida próxima ao normal, com independência e autonomia, mesmo que com alguma ajuda;
• viver em acomodações adaptadas às suas necessidades físicas;
• ter informações sobre suas condições de saúde e de como melhorá-las para facilitar sua vida.

Todas as pessoas gostariam de ter satisfeitas essas exigências, mas nenhuma delas é automaticamente providenciada. Decorre, pois, que a experiência de estar incapacitado ou de se tornar um cuidador gera uma mudança radical na vida das pessoas e é, muitas vezes, acompanhada de muito sofrimento. Um dos critérios de elegibilidade para a admissão do paciente ao serviço de Assistência Domiciliar, providenciado pela rede oficial ou entidades privadas, é a presença de um familiar responsável e disponível para participar ativamente dos cuidados a serem dispensados e, principalmente, para dar continuidade a esses cuidados, mediante orientação e treinamento.

Em geral, a pessoa é escolhida por características que denotam sua atenção às necessidades do paciente, demonstrando espírito de solidariedade para iniciar um trabalho que, na maioria das vezes, não escolheu. Nos manuais de Atendimento Domiciliar aparecem algumas condições que indicam o perfil de elegibilidade de um cuidador familiar. É interessante notar que estas prescrições ao papel do cuidador são definidas sem mencionar o suporte para o cuidador realizar as complexas tarefas desta função.

Assim, o membro da família que estaria apto a cuidar deve ter disponibilidade para tanto, bem como disponibilidade para receber treinamento adequado a essa tarefa. São observadas sua firmeza nas atitudes e sua abnegação em colocar a necessidade do outro em primeiro lugar. Também se leva em conta sua capacidade de tomar medidas preventivas e seus anseios por orientações pertinentes, fatores estes que indicam sua adequação a cuidados como higiene, alimentação, vestuário, medicação, curativos, tratamento de escaras, enfim, sua adequação à continuidade do tratamento no domicílio do paciente.

O CUIDADOR FAMILIAR
A pessoa tem que pôr em primeiro lugar o amor. Cuidar daquela pessoa com amor. Porque o amor, ele te traz a paciência, ele te traz o carinho, ele te traz tudo (Rose, cuidadora. In: KARSCH, U. S. – org - Envelhecimento com dependência: revelando cuidadores. 1998:136). Por imposição ou escolha, o cuidador familiar é aquele que põe a necessidade do outro em primeiro lugar. Geralmente é tão pressionado por necessidades imediatas, que esquece de si mesmo e é modesto em suas demandas. Dir-se-ia que “não tem escolha”. É relutante em falar sobre suas dificuldades e não quer parecer desleal à pessoa da qual cuida. Outros são tão agradecidos por pequenas ajudas conseguidas, que não querem fazer críticas, mesmo as construtivas. Existe uma tradição familiar para que o cuidador seja mulher e esta, na maioria das vezes, já está sobrecarregada por outras tarefas. “Cuidar” não é uma tarefa fácil: exige uma mudança radical na vida de quem cuida e também demanda a execução de tarefas complexas, delicadas e sofridas. Em muitos casos, o cuidador é também uma pessoa frágil, já em idade de envelhecimento ou em vias de ficar doente. O cuidador sem suporte pode ser o futuro paciente.

A literatura sobre cuidadores tem revelado alguns fatores (em ordem de importância) que determinam quem será o cuidador, conforme Sinclair (1990, apud Qrureshi e Simons, 1987):
• parentesco - com freqüência maior para os cônjuges, antecedendo sempre a presença de algum filho;
• gênero - com predominância para a mulher;
• proximidade física - considerando quem vive com a pessoa que requer os cuidados;
• proximidade afetiva - destacando a relação conjugal e a relação entre pais e filhos.

A prática tem mostrado, também, que não se trata de uma opção, mas, na maioria das vezes, de uma imposição por força das circunstâncias: indisponibilidade de outros cuidadores potenciais. A pessoa torna-se cuidadora no processo de cuidar: inicia com uma ajuda e não consegue sair desse papel. Quanto mais o cuidador se envolve, mais os não-cuidadores se desvencilham, muitas vezes pelas ameaças que esse tipo de trabalho pode conter, ou seja: comprometimento sem fim; mudança na vida pessoal; readaptação da casa ou mesmo mudança de casa; desarmonia familiar como consequência do papel de cuidador; peso das tarefas; doenças devido às exigências do trabalho e às características do paciente que podem estressar o cuidador; insegurança quanto a procedimentos e prescrições da equipe; responsabilidade por equipamentos/medicamentos; falta de paciência/segurança nos procedimentos de enfermagem; ausência de informações sobre a doença, de ajuda prática, de treinamento, de apoio físico, psicológico e financeiro; finalmente, ausência de saúde pessoal para enfrentar a rotina exigida.

Atitudes e sentimentos para o cuidar são ambivalentes. Embora o cuidar seja uma causa maior, pressupõe um baixo status como trabalho (pago ou não). Atitudes sociais discriminatórias direcionadas aos cuidadores podem ser influenciadas por aquelas associadas aos deficientes físicos que sofrem o estigma de não-inclusão na sociedade. Talvez, por associação, os cuidadores dividam esse mesmo estigma. Segundo Mendes (1995), ao cuidar de um ente próximo que se torna dependente, há uma turbulência de sentimentos: amor, pena, alívio, culpa e, até mesmo, revolta pela dependência do outro. Como nos casos de dependências crônicas não há volta à relação anterior, os sentimentos passam a ser redefinidos, bem como os projetos de vida. É o caso de esposas e filhas, sempre subalternizadas na hierarquia familiar.

SUPORTE AO CUIDADOR
Ao invés de enfocar a incapacidade ou a doença crônica como um problema individual, torna-se necessário focalizar uma sociedade deficiente que permite a exclusão de seus membros “diferentes” do curso normal das atividades. A ausência total de facilidades para cuidadores e pessoas incapacitadas é que faz essa dependência parecer uma “tragédia” para ambos. A ausência de suporte em todos os níveis para o cuidador e de facilidades para o paciente como: rampas, telefones baixos, banheiros adaptados, estacionamento privativo, transporte, informação disponível e atividadesacessíveis vão provocando um isolamento de ambos na sociedade e dificultando o progresso do tratamento.

Um cuidador orientado e com supervisão adequada deve preservar a sua saúde física e mental e, simultaneamente, incentivar o paciente a obter: independência funcional nas atividades diárias; autonomia mental para decidir e fazer planos; aderência ao tratamento e aos autocuidados, promovendo sua saúde e sua participação social, o que significa, sem dúvida, uma redução nos níveis de isolamento e melhora na qualidade de vida. Eis, então, o momento em que entra o trabalho de orientação e treinamento para cuidadores promovido por uma equipe multidisciplinar. Como afirma Daichman (1996:92), não existe nenhuma profissão relacionada à saúde e aos cuidados do idoso que possa cobrir todo o espectro das necessidades e oferecer todas as respostas. A família, em algumas enfermidades, necessita de informações detalhadas e suporte psicológico para compreender a evolução da doença e ajudar o cuidador principal, como nos mostram Goldfarb e Lopes (1996:36): O isolamento e a sobrecarga levam o cuidador a situações de stress, provocando diferentes transtornos de saúde e, como conseqüência, uma diminuição das qualidades dos cuidados oferecidos ao paciente.
http://www.observatorionacionaldoidoso.fiocruz.br/

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