“Cuidar é uma atitude de amor e
interesse por outra pessoa. Cuidar de alguém é geralmente considerado um
atributo positivo – um sinal de comportamento maduro e civilizado. A capacidade
de uma sociedade cuidar de seus membros menos afortunados é a marca do seu
desenvolvimento.”
INTRODUÇÃO
Quando somos jovens ou adultos ou
mesmo maduros, pensamos que vamos viver assim para sempre. No entanto, o
caminhar da existência continua e, hoje, menos raramente do que se possa
pensar, alcançamos 80, 90 anos, chegando à Quarta Idade. ... A virada do século deverá
encontrar o Brasil com 8,7 milhões de pessoas com 65 anos e mais (...) Isto
quer dizer que 01 em cada vinte brasileiros residentes no país será idoso.
Vinte anos mais tarde, essa relação será de 01 para 13 (...) (Berquó, apud Neri
e Debert, 1999:38,39).
O importante é saber que o
conhecimento sobre esse processo já nos permite planejar um envelhecer saudável.
Não podemos associar doenças e morte com o envelhecimento, uma vez que é
possível prevenir e “empurrar” as doenças para bem mais tarde ou, talvez, nunca
tê-las. Estamos vivendo a plenitude e o sabor de uma saudável Terceira Idade.
Contudo, como está a nossa preparação para o aumento da longevidade? Como lidar
com doenças crônicas ou dependência física?
As pessoas estão vivendo mais e
uma maior longevidade carrega em si determinada fragilidade. O fato é que as
pessoas idosas são mais suscetíveis às doenças em geral e às doenças crônicas
em particular. Conforme parcelas crescentes da população conseguem atingir
idades mais avançadas, aumenta, é óbvio, o número de casos de doenças do tipo
crônico-degenerativo, já que a incidência, em geral, é maior entre as pessoas
idosas (Yazaki e Saad, 1990: 125).
Segundo Veras (1994), o aumento
da expectativa de vida altera o perfil de morbidade da população. A tendência
é, em curto prazo, a formação de uma população idosa que, uma vez atingida por
doenças crônico-degenerativas, sofre como conseqüência a perda de independência
e, necessariamente, irá viver dependente de terceiros. Portanto, idosos, por
apresentarem proporcionalmente mais episódios mórbidos do que a população
adulta em geral, são acometidos por doenças incapacitantes, tornando-os, em sua
maioria, pacientes crônicos, exigindo cuidados constantes.
Ter consciência do que poderá
acontecer nos orienta e ajuda na prevenção. Em algum ponto de nossas vidas, a
maioria de nós vai se deparar com a necessidade de cuidar de alguém ou até
mesmo de ser cuidado. E quem irá nos dar suporte para a realização deste
trabalho? Esta é uma reflexão difícil, mas
não podemos nos furtar a ela. A relação paciente/cuidador, na verdade,
significa exigências específicas quer sejam do cuidador quer sejam do paciente.
É interessante pensar sobre elas. Se alguém próximo (pais, esposo,
irmão, filho) ficou doente ou incapacitado, o familiar gostaria de:
• poder escolher se irá ou não
aceitar a responsabilidade de cuidar diariamente desta pessoa;
• avaliar se terá condições de continuar a viver sua vida
com seu trabalho;
• receber suporte para esta
assistência - financeiro, médico e de outros profissionais requeridos pela enfermidade;
• receber assistência psicológica durante e ao término dos
cuidados;
• obter orientação sobre a doença e ajuda prática no
cotidiano;
• conseguir intervalos regulares de descanso e noites bem
dormidas;
• ter acesso, junto com a pessoa assistida, a alguma
facilidade de lazer, compras e transporte.
Por outro lado, a pessoa que está sofrendo de uma doença
crônica ou de alguma dependência física gostaria de:
• participar da decisão de como
será tratada (custos/benefícios/riscos) e não ser só comunicada/orientada;
• ser capaz de levar uma vida
independente (dentro do possível) com acesso a uma emergência médica, se
preciso;
• escolher quando suas
necessidades pessoais seriam atendidas por um membro da família ou por um profissional
pago;
• ter a oportunidade de “ganhar a
vida”, ao invés de depender financeiramente só da previdência social e do
amparo familiar;
• ter acesso a uma vida próxima
ao normal, com independência e autonomia, mesmo que com alguma ajuda;
• viver em acomodações adaptadas às suas necessidades
físicas;
• ter informações sobre suas condições de saúde e de como
melhorá-las para facilitar sua vida.
Todas as pessoas gostariam de ter
satisfeitas essas exigências, mas nenhuma delas é automaticamente
providenciada. Decorre, pois, que a experiência de estar incapacitado ou de se tornar
um cuidador gera uma mudança radical na vida das pessoas e é, muitas vezes,
acompanhada de muito sofrimento. Um dos critérios de elegibilidade
para a admissão do paciente ao serviço de Assistência Domiciliar, providenciado
pela rede oficial ou entidades privadas, é a presença de um familiar
responsável e disponível para participar ativamente dos cuidados a serem
dispensados e, principalmente, para dar continuidade a esses cuidados, mediante
orientação e treinamento.
Em geral, a pessoa é escolhida
por características que denotam sua atenção às necessidades do paciente,
demonstrando espírito de solidariedade para iniciar um trabalho que, na maioria
das vezes, não escolheu. Nos manuais de Atendimento Domiciliar aparecem algumas
condições que indicam o perfil de elegibilidade de um cuidador familiar. É
interessante notar que estas prescrições ao papel do cuidador são definidas sem
mencionar o suporte para o cuidador realizar as complexas tarefas desta função.
Assim, o membro da família que
estaria apto a cuidar deve ter disponibilidade para tanto, bem como disponibilidade
para receber treinamento adequado a essa tarefa. São observadas sua firmeza nas
atitudes e sua abnegação em colocar a necessidade do outro em primeiro lugar.
Também se leva em conta sua capacidade de tomar medidas preventivas e seus
anseios por orientações pertinentes, fatores estes que indicam sua adequação a
cuidados como higiene, alimentação, vestuário, medicação, curativos, tratamento
de escaras, enfim, sua adequação à continuidade do tratamento no domicílio do
paciente.
O CUIDADOR FAMILIAR
A pessoa tem que pôr em primeiro
lugar o amor. Cuidar daquela pessoa com amor. Porque o amor, ele te traz a
paciência, ele te traz o carinho, ele te traz tudo (Rose, cuidadora. In:
KARSCH, U. S. – org - Envelhecimento com dependência: revelando cuidadores.
1998:136). Por imposição ou escolha, o
cuidador familiar é aquele que põe a necessidade do outro em primeiro lugar.
Geralmente é tão pressionado por necessidades imediatas, que esquece de si
mesmo e é modesto em suas demandas. Dir-se-ia que “não tem escolha”. É
relutante em falar sobre suas dificuldades e não quer parecer desleal à pessoa
da qual cuida. Outros são tão agradecidos por pequenas ajudas conseguidas, que
não querem fazer críticas, mesmo as construtivas. Existe uma tradição familiar
para que o cuidador seja mulher e esta, na maioria das vezes, já está
sobrecarregada por outras tarefas. “Cuidar” não é uma tarefa fácil: exige uma
mudança radical na vida de quem cuida e também demanda a execução de tarefas
complexas, delicadas e sofridas. Em muitos casos, o cuidador é também uma
pessoa frágil, já em idade de envelhecimento ou em vias de ficar doente. O cuidador
sem suporte pode ser o futuro paciente.
A literatura sobre cuidadores tem
revelado alguns fatores (em ordem de importância) que determinam quem será o
cuidador, conforme Sinclair (1990, apud Qrureshi e Simons, 1987):
• parentesco - com freqüência
maior para os cônjuges, antecedendo sempre a presença de algum filho;
• gênero - com predominância para a mulher;
• proximidade física - considerando quem vive com a pessoa
que requer os cuidados;
• proximidade afetiva - destacando a relação conjugal e a
relação entre pais e filhos.
A prática tem mostrado, também,
que não se trata de uma opção, mas, na maioria das vezes, de uma imposição por
força das circunstâncias: indisponibilidade de outros cuidadores potenciais. A
pessoa torna-se cuidadora no processo de cuidar: inicia com uma ajuda e não
consegue sair desse papel. Quanto mais o cuidador se envolve, mais os
não-cuidadores se desvencilham, muitas vezes pelas ameaças que esse tipo de
trabalho pode conter, ou seja: comprometimento sem fim; mudança na vida pessoal;
readaptação da casa ou mesmo mudança de casa; desarmonia familiar como consequência
do papel de cuidador; peso das tarefas; doenças devido às exigências do
trabalho e às características do paciente que podem estressar o cuidador;
insegurança quanto a procedimentos e prescrições da equipe; responsabilidade
por equipamentos/medicamentos; falta de paciência/segurança nos procedimentos
de enfermagem; ausência de informações sobre a doença, de ajuda prática, de treinamento,
de apoio físico, psicológico e financeiro; finalmente, ausência de saúde
pessoal para enfrentar a rotina exigida.
Atitudes e sentimentos para o
cuidar são ambivalentes. Embora o cuidar seja uma causa maior, pressupõe um
baixo status como trabalho (pago ou não). Atitudes sociais discriminatórias direcionadas
aos cuidadores podem ser influenciadas por aquelas associadas aos deficientes
físicos que sofrem o estigma de não-inclusão na sociedade. Talvez, por associação,
os cuidadores dividam esse mesmo estigma. Segundo Mendes (1995), ao cuidar de
um ente próximo que se torna dependente, há uma turbulência de sentimentos:
amor, pena, alívio, culpa e, até mesmo, revolta pela dependência do outro. Como
nos casos de dependências crônicas não há volta à relação anterior, os
sentimentos passam a ser redefinidos, bem como os projetos de vida. É o caso de
esposas e filhas, sempre subalternizadas na hierarquia familiar.
SUPORTE AO CUIDADOR
Ao invés de enfocar a
incapacidade ou a doença crônica como um problema individual, torna-se necessário
focalizar uma sociedade deficiente que permite a exclusão de seus membros
“diferentes” do curso normal das atividades. A ausência total de facilidades
para cuidadores e pessoas incapacitadas é que faz essa dependência parecer uma
“tragédia” para ambos. A ausência de suporte em todos os níveis para o cuidador
e de facilidades para o paciente como: rampas, telefones baixos, banheiros
adaptados, estacionamento privativo, transporte, informação disponível e
atividadesacessíveis vão provocando um isolamento de ambos na sociedade e
dificultando o progresso do tratamento.
Um cuidador orientado e com supervisão
adequada deve preservar a sua saúde física e mental e, simultaneamente,
incentivar o paciente a obter: independência funcional nas atividades diárias; autonomia
mental para decidir e fazer planos; aderência ao tratamento e aos autocuidados,
promovendo sua saúde e sua participação social, o que significa, sem dúvida,
uma redução nos níveis de isolamento e melhora na qualidade de vida. Eis,
então, o momento em que entra o trabalho de orientação e treinamento para
cuidadores promovido por uma equipe multidisciplinar. Como afirma Daichman
(1996:92), não existe nenhuma profissão relacionada à saúde e aos cuidados do
idoso que possa cobrir todo o espectro das necessidades e oferecer todas as
respostas. A família, em algumas enfermidades, necessita de informações
detalhadas e suporte psicológico para compreender a evolução da doença e ajudar
o cuidador principal, como nos mostram Goldfarb e Lopes (1996:36): O isolamento
e a sobrecarga levam o cuidador a situações de stress, provocando diferentes
transtornos de saúde e, como conseqüência, uma diminuição das qualidades dos
cuidados oferecidos ao paciente.
http://www.observatorionacionaldoidoso.fiocruz.br/
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